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Zé da Conceição, o artista

Tive o privilégio de ter convivido com músicos de altíssimo nível, mas de uma simplicidade de se admirar. São muitos, mas vou citar Paulinho de Souza, Bilo e Zé da Conceição. Todos já se mandaram, mas como diz o compositor e poeta Paulo Cesar Pinheiro, “o nome, a obra imortaliza”, e eles viverão para sempre em meu coração.

Cantei acompanhado por todos, e quando sobrava pra eles o improviso, o solo no meio da música, aí, meu parceiro, eles deitavam e rolavam. Quando remexo na gaveta da minha memória, me vem as imagens de todos, sinto que estão ao meu redor. Paulinho contou que estava cantando num bar e lhe bateu enorme desejo de cantar “Espelho”, de João Nogueira e Paulo Cesar Pinheiro.

Ele cantou e desceu do palco. Ao passar por uma mesa foi chamado por um cliente que não conhecia, mas sentou-se com ele. Perguntou seu nome, e dele ouviu: “Olha, Paulinho de Souza, somos xarás, eu me chamo Paulo Cesar Pinheiro e sou, junto com João Nogueira, autor de ‘Espelho’ que você acaba de cantar, nunca tinha ouvido alguém cantá-la como você”. O papo se esticou, ele entregou a Paulinho seu cartão e tchau.

Bilo, saxofonista, era um anjo. Transportava seu sax numa sacola feita de jeans. Lembro-me de um sábado, tipo quatro da tarde, estava no Empório Brasília com Sócrates. Bilo ia passando, me viu e enroscou. Convidei-o a se sentar e o Doutor brincou dizendo que sax era instru­mento noturno. Queria saber o que ele fazia ali aquela hora da tarde.

Bilo abriu sua sacola, tirou o sax e uma flauta e disse que tirava os sábados para dar aulas, ensinava de graça alunos que não podiam pagar. Tinha acabado de dar aula para um jovem ali perto, nessa situação. Sócrates ficou emocionado, pois Bilo era a humildade em pessoa e necessitava muito daquele cachê.

Depois dessa, Magrão me pediu que chamasse o Bilo em todos os eventos ou ações que promovia. Bilo passou a nos acompanhar por todo lado. Sócrates sempre o levava pra casa. E olha que era longe, lá pras bandas do Parque Ribeirão. Magrão ajudou demais nosso artista.
Zé da Conceição, um monstro do violão. Cantar com ele era mamão com açúcar.

Acompanhou grandes cantores, entre eles Renato Guima­rães, que estourou no Brasil todo com a música “Poema”. Depois de um show em Curitiba, foram todos pra uma boate, e lá pelas tantas quebrou o maior pau. Era cadeirada pra tudo que é lado. O dono da casa fechou as portas e chamou a polícia, que levou todo mundo pra delegacia.

O mau humorado delegado a todos ouvia, e quem não tinha profis­são ia ficando numa cela. O cantor Renato Guimarães foi bem tratado pelo doutor, até cantou “Poema” pra ele. Chegou a vez do Zé da Concei­ção e o doutor foi logo falando: “E você, negão, qual a sua profissão?” Zé, meio tímido, respondeu: “Eu toco violão, doutor”. O delegado, vociferando, falou: “Toca violão? Toca violão??? E desde quando tocar violão é profissão? Você não tem vergonha na cara, não?”

Zé se encheu de coragem e falou: “Mas seu doutor, eu sou violonista do cantor Renato Guimarães, que também tá aqui nessa muvuca”. O delegado se acalmou, liberou nosso artista, mas ainda o cutucou: “Dê um jeito de aprender uma profissão, rapaz, você ainda é novo”.

Chegando em São Paulo, Zé da Conceição compôs um samba pro delegado. Ouvi só uma vez e não guardei a melodia. Cruzei com ele um dia, e deu uma cantada: “Buenão, quero ganhar de você um chapéu Panamá como o seu”. “Opa, já ganhou”, respondi. “Me passe o número de sua cachola”. Ele respondeu: “Nem precisa, Buenão, minha cabeça é igualzinha a sua”.

Quis retrucar, mas ele insistia que meu número era o dele. Bem, cheguei com um lindo Panamá, ele todo agradecido abriu a caixa, segurava com as duas mãos, olhava detalhes, mas ao colocar na ca­beça não servia. Decepcionado, falou: “Vou na loja trocar”. E fechou a caixa. “Poxa, Buenão, mas que cabeção eu tenho!!! Não pensava que era maior que a sua”.

Sexta conto mais.

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