Aos 75 anos de idade, o primogênito do clã Fittipaldi, Wilson, que veio ao mundo dois anos antes de Emerson, está de volta às pistas, agora com a sua renovada Fórmula Vee, uma categoria vitoriosa iniciada no Brasil pelos irmãos na longínqua década de 1960, e que agora ressurge, com a missão de revelar novos talentos para o automobilismo brasileiro e internacional.
Movido pela adrenalina e como se tivesse gasolina da mais alta octanagem a correr pelas veias, artérias e capilares, Wilsinho Fittipaldi Júnior – nome herdado do pai, um jornalista de raro talento, apelidado pelo título nobiliárquico de ‘Barão’-, é também um dos grandes empreendedores do esporte a motor do Brasil e do mundo. Na verdade, um visionário, daqueles que levam décadas a dar o ar da graça em um país desacostumado a lidar e a reconhecer os seus legítimos talentos.
Wilsinho foi piloto de Fórmula 1, nos idos de 1972 e 1973, pela extinta equipe Brabham, um time que não lhe oferecia um carro competitivo capaz de levá-lo a marcar pontos, conduzi-lo ao pódio, e vencer, nem pensar. Não havia contrapartida nas pistas aos patrocínios que o ex-piloto injetava no time, todos eles garimpados à duras penas no mercado brasileiro. Esse dinheiro bem que poderia ficar no Brasil e dar o start a um projeto mais que ambicioso: um descomunal desafio!
O irmão Emerson Fittipaldi acabara de conquistar o primeiro título de campeão mundial, em 1972 – e também o inaugural da história do automobilismo na F1- pela Lotus do lendário Colin Chapman, e no ano seguinte, com Emo já na McLaren, onde conquistaria o bicampeonato mundial, em 1974, floresceu o sonho até então impensável de se montar a primeira escuderia brasileira da principal categoria do automobilismo mundial. E tudo com direito ao desenvolvimento e à construção do inédito bólido genuinamente nacional, parido em um simples galpão nos arredores do autódromo de Interlagos. Longe, muito longe do templo da maioria das equipes, a Inglaterra.
A missão do projeto coube a Ricardo Divila, um então jovem engenheiro aeronáutico, formado pela FEI – Faculdade de Engenharia Industrial – que começou a traçar a lápis aquele que viria a ser o FD01. Os testes aerodinâmicos foram realizados no Centro Técnico Aeroespacial da Aeronáutica de São José dos Campos, com apoio da Embraer. E Divila caprichou na aerodinâmica. O motor era um bravo Ford Cosworth V8, o mais usado à época. Câmbio manual Hewland, pneus Goodyear e freios Varga. Com patrocínio da Cooperativa de Produtores de Açúcar chegava ao seleto mundo da F1 o Copersucar-Fittipaldi. A estreia foi na Argentina, no dia 12 de janeiro de 1975. Apesar das dificuldades, a equipe conseguiu se classificar em 11 de 14 corridas daquele ano.
Em sete anos de duração, a equipe foi do céu ao inferno como se estivesse em uma montanha-russa. Emerson Fittipaldi, já bicampeão, desembarcou da sólida McLaren onde poderia ter conquistado mais títulos, para vestir o macacão da incipiente escuderia brasuca, em 1976, decisão que deixou abobalhado o circo da F1. E os resultados apareceram: a equipe se classificou em 14 de 16 corridas e pontuou nos EUA, em Mônaco e na Inglaterra com três sextos lugares.
Em 1977 os resultados foram ainda melhores, com quatro corridas na zona de pontuação (três quartos e um quinto de Emerson) que renderam à equipe o nono lugar no campeonato de construtores. Mas o melhor estaria por vir.
A Fórmula 1 correria o GP do Brasil pela primeira vez em Jacarepaguá, no Rio de janeiro e conquistou o segundo lugar, em janeiro de 1978, com um F05 reserva, já que o titular apresentou problemas antes da largada. Ficou atrás apenas da Ferrari do argentino Carlos Reutemann. Foi o mais expressivo triunfo da equipe ao longo de sua trajetória pelos principais autódromos e circuitos do planeta. Parecia ser o céu.
Grandes nomes passaram pela equipe
Apesar de ter contado em seu time com pilotos como Emerson e Keke Rosberg, pai de Nico Rosberg, que viria ser campeão mundial pela Willians, e do então chefe dos mecânicos, o mexicano Jô Ramires, mais tarde diretor da McLaren de Ayrton Senna, ou de projetistas do nível de Harvey Postlethwait, depois diretor da Ferrari, ou de Adrian Newey, que iria construir carros campeões em nove temporadas, quatro pela RBR – a equipe sempre foi alvo de sátiras e humilhações, mesmo após ter adquirido a Wolf e se transferido para a Inglaterra. Wilsinho atribui à imprensa leiga esse pesado fardo, pois, segundo ele, não se constrói um carro campeão do dia para a noite. E era preciso além de dinheiro, muita paciência.
Ao longo de seus poucos anos de existência, a escuderia largou 104 vezes em 122 GPs onde marcou presença, foi a sétima colocada no Campeonato Mundial de Construtores em 1980, empatada com Arrows e à frente da McLaren, Ferrari e Alfa Romeo, três monstros da F1. Dois anos depois, terminou em 10º lugar, duas expressivas conquistas contra equipes de renome, muitas delas ainda hoje nas pistas.
Naquele mesmo ano Emerson Fittipaldi deixou o cockpit para se transformar em diretor do time. Dois anos mais tarde, a equipe iria viver o seu fim. A última prova foi no GP de Las Vegas de 1982, a capital dos cassinos. E a roleta parou. Era o inferno.
Tribuna – Como foi estar a bordo do primeiro carro de Fórmula 1 brasileiro, naquele 12 de janeiro de 1975, no Grande Prêmio da Argentina, no Autódromo Oscar Alfredo Galvéz? Você largou na 23ª posição e foram apenas 12 voltas até a batida, seguida de explosão do FD01.
Wilsinho Fittipaldi – Nós nos preparamos muito para este dia especial. Foram pelo menos dois anos de projeto de construção do carro, e cerca de 20 anos de automobilismo. Eu, o Emerson e o Divila passamos por várias categorias, desde o kart, o Fusca bimotor, a criação da Fórmula Vee no Brasil, a F3 e a F2 europeia e até chegarmos à Fórmula 1. E sempre acreditei que poderíamos ter uma equipe na F1. Conseguimos viabilizar o projeto e colocar o carro na pista. Claro que não foi a estreia que esperávamos, mas tudo na vida precisa de tempo e fomos melhorando a cada prova.
Tribuna – E como foi correr a etapa seguinte, a do Brasil, em Interlagos, duas semanas depois, tendo que refazer o carro e arrebatar um 13º lugar?
Wilsinho Fittipaldi – Fizemos os ajustes necessários, principalmente em relação ao calor na parte do motor. Veja, para uma equipe novata terminar em 13º lugar logo em sua segunda prova, para nós, que vivíamos dentro da Fórmula 1, foi algo fantástico. Infelizmente, no Brasil existe a cultura da vitória, só o primeiro lugar interessa. Foi algo que tivemos que conviver durante muitos anos, além da falta de informação e conhecimento de quem acompanhava as corridas.
Tribuna – Você foi piloto da Brabham, entre 1972 e 1973. Sempre sentiu a necessidade de se ter um projeto brasileiro para a F-1?
Wilsinho Fittipaldi – O nosso grande sonho, meu e do Emersos, sempre foi ter uma equipe de Fórmula 1. Por que não? Tínhamos conhecimento, estávamos no automobilismo há muitos anos. Sempre construímos carros. Começamos com o kart, depois montamos os Fórmulas Vee, foram mais de 50 carros fabricados, e desenvolvemos muitas melhorias na F3 e F2. Tínhamos conhecimento, vontade e ambição de ter um projeto nosso, brasileiro. Quando conseguimos viabilizar economicamente, fomos para a pista. Com o nosso histórico na época, era sim o momento certo. Por que esperar mais?
Tribuna – O engenheiro aeronáutico brasileiro Ricardo Divila, responsável pela criação do F-1 brasileiro, surpreendeu a todos com um carro que portava belas linhas e mostrava-se bastante aerodinâmico, inclusive com inovações, como o motor carenado, hoje obrigatório na F-1. Você esperava por um desempenho melhor no início da equipe? Qual seria o tempo necessário para a equipe pontuar e até mesmo vencer competições? Houve muita pressão?
Wilsinho Fittipaldi – Houve muita pressão, até demais, para uma equipe que estava iniciando. Não se constrói um carro de Fórmula 1 da noite para o dia. É preciso tempo e investimento. Veja quantas equipes passaram e sumiram sem chegar perto do que nós fizemos. A F1 é um grande sonho, mas exige acima de tudo tempo e muito investimento.
Tribuna – A decisão de Emerson em deixar a McLaren logo após ter conquistado o segundo título mundial, para ocupar o cockpit da Copersucar, foi uma decisão acertada ou preciptada?
Wilsinho Fittipaldi – Na minha opinião, não foi precipitada a chegada do Emerson porque, na vida, você nunca consegue o melhor que você quer na melhor hora, sempre falta alguma coisa. Isso é normal em qualquer projeto, principalmente com a tecnologia que existe na Fórmula 1.
Tribuna -Já com o modelo F05, Emerson somou três pontos no mundial de 1976, com três sextos lugares (Long Beach, Mônaco e Inglaterra) e a equipe encerrou a temporada em 11º lugar. Você enxergou naquele momento – já como diretor da Copersucar –Fittipaldi -, o começo de uma nova fase do time?
Wilsinho Fittipaldi – O desenvolvimento na F1 é lento, não é imediato. Tínhamos confiança no projeto, sabíamos que estávamos na direção certa. Não marcamos nenhum ponto no primeiro ano, mas já pontuamos no segundo. E naquele tempo a pontuação não era como hoje, até o 10º lugar. Era bem mais difícil, somente até o sexto. Ao longo da história, muitas equipes tiveram investimentos muito maiores do que o nosso e não marcaram pontos. A F1 não é feita só de pódio, é preciso entender as pequenas vitórias ao longo de um caminho tão árduo. Veja por exemplo o caso da equipe Toyota. Mesmo com um enorme investimento, durante cinco anos, não conseguiu nenhum resultado. No ano seguinte, em 1977, a equipe fez a melhor temporada de sua história e terminou em sétimo lugar, empatada em pontos com a Arrows , mas na frente da McLaren, da Alfa Romeo e da Ferrari.
Tribuna -E como foi ver o bólido chegar em segundo lugar, no GP do Brasil, disputado em Jacarepaguá, no Rio, e terminar atrás apenas da Ferrari do argentino Carlos Reutemann? Essa conquista deu a certeza que o projeto estava no caminho certo?
Wilsinho Fittipaldi – Naquela prova, aconteceu algo inacreditável. Antes de ir para o grid, detectamos um problema no motor. O carro do Emerson não funcionava. Mas eu sempre trabalhei com o carro reserva e deixava ele idêntico ao principal. Disse para o Emerson trocar de carro. Ele não estava muito confortável com a ideia, mas era a única solução. Tínhamos que largar e, claro, atender às expectativas de conseguir um bom resultado em casa. Logo na volta de apresentação, o Emerson percebeu não apenas que o carro reserva estava bom, mas melhor do que o principal. E deu tudo certo, foi uma corrida fantástica. Hoje, veja como é difícil chegar em segundo lugar na F1. E terminamos aquela temporada à frente de McLaren e da Williams. Duas das mais tradicionais equipes da história da Fórmula 1. E em apenas três anos da nossa equipe na pista.
Tribuna – E como foi a ida da equipe para a Europa, depois da compra da Wolf e de suas instalações na Inglaterra? A equipe, com isso, ganhou um piloto que viria a ser campeão mundial, mais tarde, pela Willians: Keke Rosberg e o promissor projetista Harvey Postlethwaite e seu assistente Adrian Newey. Foi um grande negócio?
Wilsinho Fittipaldi – A temporada de 1978 nos deixou muito animados e queríamos seguir o caminho das grandes equipes. Estar na Europa, no centro de tudo. O Keke chegou com muita disposição e criou até mesmo uma disputa interna com o Emerson. Isso era normal, um garoto que queria bater o bicampeão mundial. Keke sempre foi arrojado e ambicioso, por isso foi campeão mundial. E passou isso para o filho, o Nico, que também foi campeão na F1. Mas quanto mais crescíamos, mas precisávamos de investimento. E, ao mesmo tempo, sofríamos enorme pressão interna, no Brasil, por resultados. Foi o nosso grande problema.
Tribuna – O que levou Emerson a deixar a deixar de ser piloto da equipe?
Wilsinho Fittipaldi – O Emerson tomou a decisão de parar por estar cansado da Fórmula 1. Ele achava que seria muito mais útil trabalhando na organização e dentro da equipe.
Tribuna – Em 1982, quando o sonho brasileiro chegou ao fim, qual foi o sentimento que ficou? Faria tudo outra vez? Há alguma chance de uma equipe brasileira voltar ao cenário da F1?
Wilsinho Fittipaldi – Se faria tudo novamente? Sem nenhuma dúvida! A Fórmula 1, até hoje, exige muito conhecimento e muito investimento. Nós sabíamos o que estávamos fazendo, mas chegou uma hora que o dinheiro acabou. A falta de resultados e a cobrança injusta que sofríamos, por uma imprensa despreparada, levaram ao fim da equipe. Éramos motivo de piadas, e isso afetou o relacionamento com os patrocinadores. E, veja, mesmo ficando à frente de Ferrari, Williams, McLaren. Tivemos o segundo lugar no Rio, dois terceiros, vários quartos e quintos. Quando o dinheiro acabou, os patrocinadores saíram, não tivemos outra opção. Hoje, para se fazer uma equipe de Fórmula 1, estamos falando em mais de 500 milhões de euros numa equipe de ponta, pelo menos 200 a 300 milhões para estar no grid. Uma outra equipe brasileira? No cenário atual da F1 e da nossa economia, não vejo nenhuma chance.
Tribuna – Hoje você se dedica à Formula Vee. Essa categoria é um degrau para quem quer ser piloto de alto nível? Fale um pouco sobre esse projeto.
Wilsinho Fittipaldi – A Fórmula Vee começou no Brasil na década de 1960. Eu, o Emerson, o Pace começamos na FVee, que era a principal categoria no país e partimos em seguida para a Europa, chegamos à F1. Depois, o Piquet fez o mesmo caminho, na Super V, que era um carro mais evoluído e com asas. Hoje, quem quer começar a competir no automobilismo no Brasil praticamente não tem opções. Quem sai do kart vai correr aonde? Estamos retomando o projeto da Fórmula Vee, de uma categoria-escola e barata, acessível. Veja, não temos mais piloto brasileiro na F1. Por quê? Pela falta de projetos de incentivo para novos pilotos. O Brasil achava que iriam aparecer novos Sennas, novos Piquets toda hora. Não é assim que funciona. É preciso criar condições para atrair novos pilotos, dar oportunidades. É isso que fazemos com a nova Fórmula Vee. O Divila, que esteve ao meu lado na F1, está também trabalhando, desenvolvendo um novo carro, para ajudarmos na formação de novos pilotos. Mas o mais importante é oferecer esta oportunidade acessível. Sem isso, ficaremos ainda muitos anos sem nenhum piloto brasileiro na F1.