Por André Cáceres
Nas Sátiras, o poeta romano Juvenal cravou a seguinte frase: “Quis custodiet ipsos custodes?” (“Quem vigia os vigilantes?”) Esse é o mote de Watchmen, quadrinho publicado em 12 edições entre 1986 e 1987. Com roteiro de Alan Moore e arte de Dave Gibbons, a obra decretou a maturidade das histórias de super-heróis ao questionar suas convenções e subverter padrões estéticos e narrativos do gênero.
Watchmen se passa no contexto da Guerra Fria, em uma cidade onde costumava haver justiceiros mascarados vagando pelas ruas, combatendo o crime com as próprias mãos, o que é ilegal. Os heróis já estão em decadência e aposentados quando a trama se inicia, com a morte de um deles – o Comediante, um sujeito amoral que foi uma espécie de garoto-propaganda dos EUA no Vietnã, onde matou e estuprou sem escrúpulos.
Quem investiga o caso e serve como fio condutor para a história é Rorschach, um “herói” detetivesco e também com pouco apreço ao devido processo penal. Ele começa a perceber uma ameaça e tenta avisar seus antigos colegas, que não dão muito crédito a um louco paranoico.
Em Watchmen, todos são anti-heróis repletos de falhas de caráter, tentando moralizar um mundo tão corrupto quanto eles. Ninguém tem superpoderes, com exceção do Dr. Manhattan, um cientista exposto a um acidente radioativo que se tornou uma figura divinal que transcende o tempo e o espaço – e que, por isso, não se importa com o destino da humanidade.
Em sua investigação, Rorschach descobre que o assassinato do Comediante está ligado a uma conspiração muito maior para frear a escalada de tensão nuclear da Guerra Fria – e que consistiria em “matar milhões para salvar bilhões”, segundo o idealizador desse plano. Os fins justificam os meios?
Da mesma forma, a obra de Moore e Gibbons sugere que vestir uma máscara e fazer justiça com as próprias mãos em um beco escuro seria tão condenável quanto o crime que se pretende combater. O que Watchmen faz é desmascarar figurativamente os heróis com seus mantos coloridos para mostrar que ídolos sempre têm pés de barro. Em um tempo politicamente conturbado, no qual as pessoas buscam proteção em mitos e figuras messiânicas, relevam ações violentas que supostamente combatem o crime, ou creem que os fins justificam os meios, Watchmen torna-se ainda mais relevante do que na época de sua publicação original. Alan Moore sussurra no ouvido do leitor: “Quem vigia os vigilantes?”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.