Em um longo artigo, com o título acima, o escritor israelense David Grossman analisa o flagelo que é a pandemia e os seus possíveis efeitos no comportamento humano.
Imagina o autor que, quando a calamidade terminar, não se pode excluir que haverá quem não queira voltar à vida anterior. A tomada de consciência da fragilidade e transitoriedade da vida estimulará homens e mulheres a estabelecer novas prioridades, distinguindo melhor entre o que é importante e o que é fútil. Entender que tempo – e não dinheiro – é o recurso mais precioso. Haverá quem, pela primeira vez, se perguntará sobre as escolhas feitas, sobre as renúncias, sobre os compromissos.
Em amores que ele não ousou amar. Na vida ele não ousou viver. Por que desperdiçam sua existência em relacionamentos que os causam amargura? Também haverá quem analise suas opiniões políticas, com base em ansiedades ou valores que se desintegrarão durante a epidemia. É possível que uma experiência tão dura e profunda como a que vivemos faça com que alguém recuse tudo o que nos divide, nos aliena e nos leva ao ódio.
Entende, mais que a capacidade de imaginar tempos melhores, significa que ainda não deixamos a epidemia e o medo tomar conta de nós. Espera-se, portanto, que quando o perigo de contágio tiver passado e uma atmosfera de recuperação empolgar, as pessoas mostrarão uma disposição diferente de espírito: elas serão permeadas por uma sensação de leveza, de nova frescura. Por exemplo, sinais agradáveis de inocência, desprovidos de cinismo, poderiam ser descobertos.
E talvez, por algum tempo, expressões de ternura também sejam permitidas. Talvez, ainda, possamos entender que essa epidemia mortal nos permite nos liberar de camadas de gordura, da ganância, de pensamentos grosseiros, de uma abundância que se tornou um excesso que está começando a nos sufocar (por que diabos acumulamos tanta coisa? Por que enterramos nossa vida sob montanhas de objetos que não queremos?).
Tem esperança que talvez haja quem, observando os efeitos distorcidos da sociedade do bem-estar, se sinta enjoado e eletrocutado pela consciência banal e ingênua de que é terrível que existam pessoas muito ricas e muitas outras muito pobres. É terrível que, em um mundo opulento e cheio, nem todos os bebês tenham as mesmas oportunidades. Fazemos parte do mesmo tecido humano, instável ao contágio que estamos descobrindo, e o bem de cada um de nós é, no final, o de todos. O bem do mundo em que vivemos também é nosso, e é crucial para o nosso bem-estar, a pureza de nossa respiração, o futuro de nossos filhos.
E, mais, quem sabe, até os meios de comunicação de massa, presentes quase totalmente em nossas vidas e em nossos dias, se perguntem honestamente qual o papel que eles desempenharam para despertar o sentimento geral de repulsa que sentimos antes da epidemia. Ao nos dar a sensação de que pessoas com interesses óbvios demais nos manipulam, fazem uma lavagem cerebral e roubam nosso dinheiro. Não estou falando dos meios sérios, corajosos, incisivos e inquisitivos de comunicação de massa, mas daqueles que há muito tempo transformaram as massas em rebanhos.
E, por fim, questiona se esses cenários se tornarão realidade. Quem sabe… Pois se assim não for, as coisas voltariam ser as mesmas. De antes da epidemia ou do dilúvio. É muito difícil adivinhar o que acontecerá, mas resta a esperança…