Tribuna Ribeirão
Cultura

Volta ao aconchego

Por Adriana Del Ré

O novo trabalho de Elba Ramalho, Eu e Vocês, seu álbum da quarentena que chega nesta sexta, 20, às plataformas digitais, soa como um abraço, um acolhimento. Para ela e para quem ouve. Em tempos difíceis, Elba acessou o universo da música nordestina, que lhe é tão afetivo. Dos xotes, do baião. E fez um disco sobre o amor. São 12 canções, gravadas no estúdio de sua casa, no Rio, com músicos colaborando a distância e filhos participando de perto. Seu filho, Luã Yvys, de seu relacionamento com o ator e cantor Maurício Mattar, assina a produção do disco da mãe, além de também compor e tocar nele.

Elba lembra que um novo disco não estava em seu radar. “Se a vida tivesse seguido normal, talvez eu não tivesse tido inspiração e também não teria tido tempo como tive de fazer um processo lento, porque, como a gente não tinha acesso aos músicos, tinha de fazer cada um de forma individual e cada um da sua casa. Então, demorou mais. Foi um processo criativo diferente, mas que acabou dando certo”, diz a cantora, em entrevista ao Estadão por Zoom, de sua casa em Trancoso, na Bahia.

“Depois de remexer muitas coisas, arrumar muitas coisas, o estúdio ali parado na minha frente todo dia, e a melhor forma de eu me expressar é através da música, achei que gente podia brincar um pouco, cantar umas coisas, nada pretensioso. Eu queria fazer algo simples, que tivesse a linha musical do Balaio de Amor (de 2009), que foi um disco que me deu até um Grammy Latino, que tinha muitas canções nordestinas, xotes, baiões. Aí convidei meu filho. Ele é músico, produtor, já tinha feito um disco comigo, que foi Do Meu Olhar Pra Fora (de 2015). A gente estava junto na quarentena, minha netinha nasceu, a gente mora perto. Então, a gente estava vivendo essa história, as canções foram surgindo”, descreve ela, que virou avó em abril, após o nascimento de Esmeralda, filha de Lua.

No repertório de Eu e Vocês, o 38º disco de sua carreira, Elba combina releituras e algumas canções inéditas. E, quando se trata do universo afetivo da cantora, Dominguinhos é obrigatório Ela canta duas composições do mestre da sanfona, que morreu em 2013: Ter Você É Ter Razão (parceria dele com Climério) e O Inverno É Você, em que Elba faz dueto com o amigo padre Fábio de Melo.

Aliás, com essas duas canções, atinge a marca de 40 canções do compositor gravadas por ela. Elba conta que O Inverno É Você estava com o maestro José Américo Bastos, com quem ela trabalhou por muito tempo. Mestrinho acabou gravando a música em seu álbum É Tempo Pra Viver, de 2017, e agora Elba faz sua versão da canção. “Mas eu a considerava inédita, porque é muito nova, muito fresquinha”, diz. “Desde que Dominguinhos tinha morrido que eu sabia que tinha aquela canção e uma hora eu ia tocar nela

Lembrei que padre Fábio gostava de cantar, fizemos um show juntos ano passado no Rio e cantamos O Inverno É Você.” Há outras belas releituras, de canções como Maçã do Rosto, antiga composição de Djavan; Felicidade, de Marcelo Jeneci e Chico César; e Sintonia, clássico de Moraes Moreira que ela gravou em homenagem ao amigo, morto em abril.

Entre as inéditas, estão uma música de Mestrinho, Eu Vou Chegar Chegando, com participação do sanfoneiro; De Onde Eu Vim, de Luã; e Ainda Tenho Asas, parceria de Elba e Luã – em um dos raros momentos em que Elba, intérprete consagrada, assina como compositora. “Sou preguiçosa para compor. É um desafio você ser intérprete. Adoro esse desafio, adoro mexer nas canções dos outros, trazer para mim aquilo que o outro pensou, criou, e colocar minha alma nela.”

Ainda sobre as novas canções, há um lugar especial no coração (e no disco) de Elba para a inédita Eu e Vocês, composta por Juliano Holanda e Zélia Duncan na quarentena. Endereçada por Zélia especialmente para Elba, a música não só dá nome ao disco, como fecha o álbum em clima de comunhão, de celebração em família.

Nela, Elba conta com a participação dos quatro filhos, Luã, Maria Clara, Maria Paula e Maria Esperança, tocando (violão, ukulele) e cantando. E descobriu o talento das filhas como cantoras. “Achei (essa canção) extremamente adequada, oportuna, acertada, caiu como uma luva. Tem uma singeleza do lar, acaba que minhas filhas cantaram e ela acabou sendo um momento especial para mim.” E traduziu o que ela está vivenciando. “Pude compartilhar de uma forma mais intensa a minha família, nunca consegui espaço em 40 anos para revisitar a mim mesma nos meus ambientes de casa. Foi muito positivo isso para mim. Era sempre uma ida e vinda, quase que uma vida toda na estrada, e agora não Aproveitei bastante e ainda estou aproveitando, apesar de toda a parte dramática da história. Foi bom ficar em casa, ficar com Luã quando a filha dele nasceu, minha primeira neta. Foi bom poder pensar muito, rezar mais, buscar o equilíbrio, que a gente acha que não tem, mas é na adversidade que você conhece o herói, o guerreiro.” Para ela, muita gente “talvez não estivesse preparado para lidar com esse processo de solidão, de autoconhecimento, de despertar da consciência, de introspecção, de oração”. “Coube tudo isso nesta quarentena. A fé duplicou, porque tem que ter esperança, se não você entra em desespero. Tudo isso procurei refletir nas canções. É uma música alegre, leve, suave. É feita com o emocional do sanfoneiro, com a emoção musical do guitarrista, do baixista, do percussionista.”

Elba contraiu covid em setembro. Uma das filhas saiu um único dia de casa para visitar uma amiga, conta ela, e acabou contaminando Elba, o pai, Gaetano, e a babá. Mas todos tiveram sintomas leves. “Para mim, foi um pouco mais difícil, porque não consigo tomar antibióticos, sou supersensível, abri mão do remédio de cara”, diz a cantora de 69 anos, que teve acompanhamento médico contínuo para monitorar o avanço da doença “De imediato eu já estava com pneumonia, mas uma pneumonia levíssima.” Agora ela diz que está bem, correndo 6 km todo dia. “Você precisa ter um bom acompanhamento clínico e manter uma vida saudável.” Elba afirma que manteve serenidade e fé. E não teve medo de morrer. “Meu conselho é que as pessoas tenham confiança, não tenham medo, porque o medo é paralisante. Você quer tomar uma atitude e o medo não deixa raciocinar.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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