José Antônio Lages *
Pela primeira vez em sua história, o México terá, a partir de outubro, uma mulher na presidência da República. Claudia Sheinbaum, de 61 anos, é uma estudiosa do clima, um tema que está na ordem do dia em todo o mundo. Ela tem dois filhos, possui mestrado e doutorado. Foi prefeita da cidade do México. Aliada do atual presidente Andres Manoel Lopes Obrador (AMLO), Claudia, como é popularmente conhecida, obteve uma avassaladora votação que garantiu a continuidade da esquerda à frente da segunda economia da América Latina.
Uma das razões da sua vitória foram os altos índices de aprovação do presidente Obrador. Ele fez um governo com uma marca social reconhecida. Extremamente carismático, desenvolveu programas de auxílio com altos orçamentos para jovens, idosos e pessoas com deficiência. A vitória de Claudia é o reconhecimento do acerto dessa política: 31% sobre o seu principal opositor, de centro-direita, XóchitlGálvez. Mas, antes de qualquer coisa, a nova presidente é reconhecida pela sua capacidade pessoal e sua seriedade no trato da coisa pública.
Os analistas estão apontando três razões para entender a sua retumbante vitória. Aliás, vitória também para a Câmara dos Deputados e para o Senado. A primeira é a própria figura de Claudia. Ativista estudantil combativa, acadêmica premiada e com experiência em resolver grandes crises, desde a do colapso de uma linha de metrô até a pandemia – ela demonstrou solidez e coragem. Apoiadores e críticos reconhecem sua inteligência e destacam uma trajetória consistente na defesa dos ideais de esquerda que hoje compõem o projeto político de López Obrador.
Michael Shifter, pesquisador do Instituto de Pesquisa Diálogo Interamericano, afirma que a vitória de Claudia pode ser atribuída “a seu compromisso com questões populares como energia renovável e educação, e à sua experiência à frente da Cidade do México”. Para o professor Carlos Bravo Regidor, ela trouxe“ uma mensagem fácil de entender, contundente, que através da repetição e da disciplina conseguiu transmitir realmente”. Ela não cansou de repetir que manteria o caminho traçado pelo atual presidente.
Outra razão foi o peso da máquina do Estado. Desde a longeva hegemonia do Partido Revolucionário Institucional (PRI), a máquina do Estado sempre pesa para quem já está no governo. Lembrando que o PRI tem suas raízes na histórica Revolução Mexicana do início do século XX e teve, a princípio, um forte viés popular. Com o passar do tempo, foi se descaracterizando e se transforou em um partido tradicional. Hoje terminou as eleições num modesto 4º lugar.
Agora, “o Morena, partido de Claudia, provavelmente se tornou o modelo de partido de maior sucesso a nível nacional”, diz Gustavo Urbina, acadêmico do Colégio do México. Fundado em 2014, o Morena é um partido jovem e com poucas eleições em sua história. “O presidente continua cumprindo uma função simbólica, moral e decisória que é fundamental. Teremos que ver como esse esquema muda agora que passamos para a figura de Claudia”, afirma Urbina.
Por outro lado, o desprestígio dos partidos tradicionais que compõem a coligação da oposição – o centrista PRI, o direitista PAN e o esquerdista PRD – funcionou como um estímulo para os eleitores de Claudia. “Eles têm uma reputação muito ruim, os eleitores mexicanos os associam a aspectos negativos e acho que isso foi um peso que atrapalhou consideravelmente o potencial de crescimento de Xóchitl”, diz Bravo Regidor. Em contrapartida, o Morena, partido do qual Obrador e Claudia são fundadores, é visto pelos eleitores como algo novo e diferente sendo associado a aspectos positivos.
Mas o pecado mortal da oposição foi não prestar atenção ao descontentamento real, vigente e genuíno de muitos mexicanos, afirma o escritor e analista Jorge Zepeda Patterson. “O grande erro da oposição neste mandato de seis anos foi acreditar que poderia recuperar o poder simplesmente desiludindo, mostrando demagogia ou a ineficiência de López Obrador para enfrentar problemas como a violência ou o acesso à saúde”, explica. De qualquer forma, a vitória da esquerda no México é uma esperança que se renova frente às ameaças da extrema-direita em países importantes do continente como a Argentina e o Brasil.
* Consultor técnico-legislativo e ex-vereador em Ribeirão Preto (Legislatura 2001-2004)