As tentativas de entrar com drogas e celulares nas cadeias e penitenciárias do Estado de São Paulo são constantes e registradas semanalmente pela Secretaria da Administração Penitenciária (SAP). Os meios são os mais inusitados e vão desde dentro de potes de iogurtes, de linguiça a até partes íntimas das visitantes de detentos.
Em nota, a SAP informa que pessoas flagradas tentando adentrar com objetos ilícitos em unidades prisionais são automaticamente suspensas do rol de visitas. O Tribuna fez um apanhando desses casos inusitados. As unidades prisionais da região de Ribeirão Preto não fogem à regra.
Maconha na linguiça e na vagina – No mês passado, na Penitenciária de Ribeirão Preto, uma visitante, esposa de preso, foi flagrada escondendo seis invólucros dentro de pedaços linguiças. Em cada “trouxinha” continha cerca de 0,08 gramas de maconha. A mulher foi flagrada no momento em que os agentes faziam a revista nos pertences dela. No mesmo dia e local, uma mulher foi flagrada pelo scanner corporal, portando objetos nas partes íntimas. Ela foi indagada pelas agentes de segurança e acabou retirando da vagina dois invólucros contendo 50 gramas de cocaína e 95 gramas de maconha.
Em outro flagrante, a esposa de um sentenciado foi surpreendida no momento em que passava pelo scanner corporal com objeto escondido na genitália. Tratava-se de 128 gramas de maconha que seriam entregues ao marido dela. O mesmo aconteceu com a mãe de um sentenciado que carregava 130 gramas de maconha escondidas na vagina. Ela foi encaminhada a uma sala separada e retirou o invólucro das partes íntimas.
Além de drogas, são registradas tentativas de entrar nos presídios com celulares escondidos na vagina. Invariavelmente os aparelhos são detectados pelo aparelho de scanner corporal. Um caso inusitado ocorreu na Penitenciária III de Franco da Rocha. Durante revista da alimentação feita pelos funcionários com auxílio de raio-X, foi encontrado dentro de embalagem de sobremesa de chocolate (iogurte) 52 gramas de maconha e 103 gramas de cocaína. Segundo a SAP, em todos os casos a Policia Militar é acionada para lavrar boletim de ocorrência.
Também é instaurado procedimento disciplinar para apurar a cumplicidade dos presos que receberiam os entorpecentes.
Câmara: avança projeto que acaba com a revista íntima
Desde 2013, tramita no Congresso Nacional um projeto de lei que objetiva alterar a Lei de Execução Penal para determinar a extinção da chamada revista íntima. A proposta passou pelo Senado e, em 2014, foi remetida à Câmara dos Deputados, onde tramita como projeto de lei nº 7.764/2014. No mês passado, ela foi aprovada na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado.
O projeto determina que a “revista pessoal deverá ocorrer mediante uso de equipamentos eletrônicos detectores de metais, aparelhos de raio-x ou aparelhos similares, ou ainda manualmente, preservando-se a integridade física, psicológica e moral da pessoa revistada e desde que não haja desnudamento, total ou parcial”. Também proíbe o uso de espelhos, esforços físicos repetitivos, bem como preserva a incolumidade corporal da pessoa revistada.
Para proteger as pessoas que precisam entrar nos presídios, fixa que “a revista manual será realizada por servidor habilitado e sempre do mesmo sexo da pessoa revistada, garantindo-se o respeito à dignidade humana”, deixando ao critério dessa pessoa a realização “em sala apropriada apartada do local da revista eletrônica e sem a presença de terceiros”.
A proposta, atualmente relatada pelo deputado João Campos (PRB-GO), também destaca que “a revista pessoal em crianças ou adolescentes deve garantir o respeito ao princípio da proteção integral da criança e do adolescente, sendo vedado realizar qualquer revista sem a presença e o acompanhamento de um responsável.”
Em relatório técnico sobre o projeto de lei, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais aponta que a revista íntima contraria normas nacionais, inclusive a Constituição Federal, que determina que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante e que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, bem como tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Entre eles, a Convenção Americana de Direitos Humanos, que determina que “toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral” e que “a pena não pode passar da pessoa do delinquente”.
Além das violações de direitos associadas à prática, o instituto argumenta que a revista não é efetiva. “Deve-se ter em conta que os dados acerca da revista vexatória demonstram que apenas 0,013% dos objetos encontrados dentro do sistema prisional tiveram entrada via visitantes, o que demonstra, por si só, que a revista não é a principal forma de coibir a entrada de produtos ilegais, sendo este mais um argumento a demonstrar que não pode ser utilizada sob o pretexto de assegurar a segurança pública”, diz o texto do relatório.
A proposta encontra resistência por parte da categoria dos agentes penitenciários, que argumentam que a revista é necessária para evitar a entrada de armas, celulares e outros equipamentos vetados em presídios. Mas o próprio avanço tecnológico pode fazer com que a revista seja substituída por outras técnicas, segundo o secretário-geral do Sindicato dos Agentes Disciplinar Terceirizados da Bahia (Sindap-BA), Orlando Saraiva. Ele avalia que a situação é complexa. “Realmente, é muito frequente essa situação das esposas ou acompanhantes estarem escondendo algo onde não se possa ver, mas eu acho que deve ser excluído esse tipo de inspeção, porque hoje em dia tem o avanço [tecnológico]”, afirma.
Saraiva conta que trabalhou por muitos anos em uma unidade prisional na Bahia e que sentia constrangimento ao participar de revistas. “É muito constrangedor a gente ter que mandar um pai de família agachar. Pior ainda para as mulheres. As nossas colegas agentes sempre falam muito sobre isso”, diz. Para ele, a situação pode ser superada com o uso de detectores de metal nas unidades prisionais, garantindo simultaneamente os direitos dos visitantes e a segurança.
Atualmente, estados como Rio de Janeiro e São Paulo já proibiram a revista íntima por meio de leis locais. Também há recomendações da Defensoria Pública, como no Rio Grande do Norte, nesse sentido. No entanto, segundo a Associação de Amigos e Familiares de Presos (Amparar), a prática da revista íntima ainda é recorrente, inclusive em locais em que já há scanner. Se o PL 7.764/2014 for aprovado, a regra passará a valer em todo o país. Para tanto, ainda é preciso passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados.