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Violência que assusta

Adalberto Luque

Em 22 de março de 1987, o jornalista Ricardo Kotsho, então repórter do Jornal do Brasil, publicou uma matéria referindo-se a Ribeirão Preto como Califórnia Paulista. Ele veio a pedido do então chefe da sucursal paulistana do Jor­nal do Brasil, Augusto Nunes, natural de Taquaritinga.

Na ocasião, a cidade os­tentava índices próximos ao da Califórnia original, nos Estados Unidos. A renda per capta era de US$ 5,6 mil dólares por ano – em valores atuais seria de US$ 14 mil. A cidade tinha cerca de 350 mil habitantes.

Em 1987, havia 18 favelas cadastradas pela prefeitura. Hoje são mais de 90. Nos tempos de Califórnia Brasi­leira a cidade tinha empregos em abundância, o que causou um movimento migratório muito grande de pessoas em busca de oportunidades.

Na época em que Kotsho passou 15 dias em Ribeirão Preto, era comum motoristas estacionarem seus carros na frente de casa, deixando vi­dro aberto e a chave no con­tato. Também era comum as pessoas se reunirem na calça­da em frente suas casas, com os vizinhos. Levavam cadei­ras e ficavam várias horas conversando, noite adentro, muitas vezes até o início da madrugada.

Hoje tudo mudou. A po­pulação de Ribeirão Preto vive com medo. A criminali­dade tem incomodado muito a outrora Califórnia Brasi­leira. Não mais é possível ver carros parados com vidro aberto e a chave no contato. Mesmo com todo o aparato de segurança, como alarmes sofisticados, rastreadores e câ­meras de vigilância, ninguém tem a certeza de que, ao voltar para onde deixou o carro esta­cionado, vai encontrá-lo.

Durante todo o ano de 2022 a cidade registrou 1.731 veículos furtados. Pratica­mente cinco carros levados sorrateiramente a cada dia do ano passado. É o maior núme­ro de ocorrência nos últimos quatro anos, incluindo 2019, o último antes do início da pan­demia e do isolamento social.

No mesmo período, as polícias Civil e Militar recu­peraram 768 veículos, segun­do números da Secretaria da Segurança Pública (SSP). Fe­char os vidros, levar a chave e investir em itens tecnológicos não impediram o crescimento desta modalidade de crime.

O número de veículos rou­bados, aqueles onde a ação ocorre com o uso de violência, quando o ladrão ameaça a ví­tima e até usa arma para levar o veículo, também foi grande. Em 2022, 402 veículos foram roubados. Nos últimos quatro anos apenas em 2019 houve mais casos: 569. Ainda assim, mais que um carro por dia foi roubado nas ruas da cida­de no ano passado, boa parte abastecendo mercado de pe­ças clandestinas.

Derrite solicitou à prefeitura enfrentar, com mais rigor, a questão, cuidando do perdimento de bens das empresas clandestinas e retomada das áreas públicas invadidas – DIVULGAÇÃO SSP

Roubos e furtos
Outro indicador preocu­pante foi o de roubos e fur­tos. A cidade registrou 2.456 assaltos em 2022. São os mais diversos tipos, como assalto a residência, assalto na rua, num bar, no ponto de ônibus. A cada dia do último ano sete pessoas foram assaltadas em Ribeirão Preto. Esse número só não foi maior, nos últimos quatro anos, do que o total de assaltos praticados em 2019, quando 2.977 casos foram re­gistrados.

Os furtos, entretanto, re­presentam um dos maiores problemas de Ribeirão Preto. Sorrateiramente os crimino­sos agiram 8.940 vezes em 2022. Foi o maior número de furtos nos últimos quatro anos, de acordo com os regis­tros da SSP. Isso significa que, a cada dia, 25 ocorrências in­dicam um celular, uma cartei­ra ou algum bem furtado por algum criminoso na cidade.

Boa parte desses casos são furtos praticados por pessoas que querem levantar qual­quer dinheiro para susten­tar algum vício, geralmente álcool e, sobretudo, drogas. Levou-se de tudo em 2022. Desde poste de iluminação, até ponto de ônibus, passan­do por tampas de esgoto ou bueiro, números de residên­cia e fios elétricos. Muitos fios elétricos, dezenas de qui­lômetros. Em comércio, resi­dência, escola, mas principal­mente em semáforos.

Em levantamento feito pela Empresa de Trânsito e Transporte Urbano de Ribei­rão Preto (Transerp), o preju­ízo em 2022 beirou R$ 50 mil. Sem contar as centenas de se­máforos que amanheceram os dias desligados, causando transtornos ao trânsito da ci­dade. E acidentes. Em nota, a empresa de trânsito contabi­lizou os prejuízos.

“A Transerp informa que em 2022 (até 5/12), já regis­trou mais de 3.728 metros de cabos semafóricos furtados na cidade, em um total de 92 ocorrências. Quanto aos gas­tos, já foram R$ 44.736,00 com reparos somente neste ano. A região Norte é a que mais há registros de furtos da fiação.”

Quilômetros de fios de eletricidade de semáforos foram levados, causando prejuízos e transtornos

O secretário da Segurança Pública, Guilherme Muraro Derrite, reconhece o proble­ma. Para ele, é preciso con­siderar o perfil do envolvido, geralmente usuário de drogas como o crack. “Portanto, tra­ta-se de uma questão também de saúde pública. O outro fa­tor é a destinação do material que, por vezes, está atrelada a empresas de sucata que atuam de forma clandestina, afetan­do, por exemplo, locais de preservação permanente, ge­rando também um problema ambiental”, disse o secretário em entrevista ao Tribuna.

Além do policiamento os­tensivo realizado pela PM e da investigação criminal por parte da Polícia Civil, foi soli­citado à prefeitura a elabora­ção de legislação municipal, de acordo com o secretário, para “enfrentar, com mais rigor, a questão, cuidando do perdimento de bens das empresas clandestinas e re­tomada das áreas públicas invadidas. Em outra frente, alinhamos com o Poder Ju­diciário, nos casos de reinci­dência específica, dentro do que prevê a lei, que os autores permaneçam custodiados.”

Violência contra a mulher
A cidade registrou um crescimento abrupto de estu­pros em 2022. Foram 47 casos em 2022. O maior número em quatro anos. Além disso, foram 74 estupros de vulne­rável, caracterizado pela con­junção carnal ou ato libidino­so com menores de 14 anos, com ou sem consentimento e pessoas que, por enfermida­de ou deficiência mental, não possuem discernimento ne­cessário para a prática do ato. Também estão incluídas pes­soas que, por qualquer outra razão, não possam oferecer resistência, como por exem­plo embriagadas ou dopadas.

Juntos, os dois tipos de es­tupro registraram 121 ocor­rências. Ou uma vítima de estupro a cada três dias em 2022 na cidade de Ribeirão Preto. Somando-se aos casos de feminicídio, violência do­méstica, assédio sexual e pro­fissional, a violência contra a mulher é preocupante.

Bueno, da ADPESP: sobrecarga dos policiais afeta qualidade do serviço prestado à população

A SSP não especifica quantos casos, mas as ocor­rências de lesões corporais dolosas, aquelas onde houve a intenção de agredir e ferir outra pessoa, apresentaram um lamentável recorde nos últimos quatro anos. Foram 1.863 ocorrências, cinco a cada dia. A grande maioria foram mulheres.

Sem contar que os casos de violência contra a mu­lher, até mesmo os estupros, são subnotificados, isto é, muitos não chegam a ter um boletim de ocorrência regis­trado, pois as vítimas tentam ocultar o problema.

A falta de efetivo nas polí­cias Civil e Militar é algo que preocupa. No caso da Polícia Civil, a Associação dos De­legados de Polícia do Estado de São Paulo (ADPESP) faz uma denúncia contundente. A entidade relata que a Ins­tituição encolheu 24% nos últimos 12 anos.

O levantamento feito pela ADPESP, via Lei de Acesso à Informação (LAI) mostra que em 2011 a Polícia Ci­vil contava com efetivo de 34.684 policiais. Em 2022 esse número caiu para 26.355 policiais na ativa, o que repre­senta um encolhimento de 24%. Em média, 694 policiais civis deixaram a Instituição a cada ano e a morosidade dos concursos não supre o défi­cit, estimado em 15 mil pela ADPESP.

“Temos muitos policiais acumulando serviço de dois ou às vezes três. No interior do estado, por exemplo, são muitos os casos de sobreavi­so ininterrupto que duram até 30 dias. Isso é desuma­no”, afirma o presidente da ADPESP, Gustavo Mesquita Galvão Bueno. O delegado complementa: “a sobrecarga dos policiais acaba afetando a qualidade do serviço pres­tado à população”.

A cidade vê a violência crescer em todas as regiões

Longe de ser um problema exclusivo de Ribeirão Preto, a criminalidade está presente na grande maioria das cida­des. Algumas em grau ainda mais preocupante. Mas hoje talvez Ribeirão Preto esteja caminhando mais para ser comparada a Tijuana, no Mé­xico – considerada uma das cidades mais violentas do mundo -, do que a Califórnia Brasileira dos áureos tempos.

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