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Violência nas escolas não se resolve com abuso de poder

O governador do Estado de Goiás, Ronaldo Caiado, em um momento de fúria misturado com ares de tirania, determinou que a Polícia detivesse os pais do adolescente que esfaqueou três estudantes em uma escola em Santa Tereza de Goiás.

O chefe do Poder Executivo estadual teria atribuição constitucional e legal para determinar a “detenção” dos pais? Essa determinação do Governador extrapola suas competências?

O artigo 5º, LXI, da Constituição da República, estabelece que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente”.

O governador, como qualquer outro cidadão, poderia, na hipótese de flagrante delito, prender o autor do fato delituoso ou mesmo noticiar o fato para que a autoridade policial realizasse a prisão. Porém, jamais poderia se arvorar na condição de justiceiro e determinar a detenção de qualquer pessoa, sem que houvesse uma ordem judicial escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente.

A conduta do governador configura, ao menos em tese, o crime de usurpa­ção de competência. Tal crime está previsto no artigo 328 do Código Penal e consiste em assumir, indevidamente, o exercício de função pública, seja ela de natureza administrativa, legislativa ou judicial.

Além disso, a conduta configura o crime de abuso de autoridade previsto no art. 9º da Lei 13.869/2019, na medida que determinou a detenção de pesso­as ao arrepio das normas constitucionais e legais.

O governador Caiado, flagrantemente, atuou fora dos limites legais de sua competência, pois, apesar de ser a autoridade máxima do Estado de Goiás, não possui poder legal para determinar a prisão de um cidadão.

E o próprio Caiado sabia que estava a cometer o abuso, conforme se evi­dencia do seguinte trecho da sua fala: “Eu sei que não existe uma determinação federal para o fato em específico. Se eu for esperar a legislação federal, a situação pode tomar proporções muito maiores. Então, eu já determinei ao meu dire­tor-geral da Polícia Civil que realmente faça também a apreensão dos pais, que faça também um levantamento dentro da residência deles, para saber se existe alguma arma que a criança possa ter usado.”

Além disso, o governador destacou que o Estado precisa tomar provi­dências contra esses ataques em escolas e afirmou não querer ser injusto, mas apontou ser necessário punir os pais, caso seja identificada a conivência com essas ações. A responsabilização criminal, segundo o político, seria “um pouco educativa”.

Governador Caiado, já foi o tempo do coronelismo, em que os chefes do Poder Executivo “mandavam prender e soltar” as pessoas. Em um Estado Democrático de Direito, mesmo em situações trágicas como a ocorrida em Santa Tereza de Goiás, não é permitido que o governador do Estado assuma a função judicante e determine a prisão de alguém.

Não se pode olvidar, que até mesmo as autoridades judiciárias não podem determinar as prisões sem que sejam provocadas pelo Ministério Público ou pela autoridade policial.

Além disso, há regras expressas no Código de Processo Penal que estabe­lecem as hipóteses de prisão no país. No trágico episódio de Santa Tereza de Goiás não há qualquer indicação que os pais sejam coautores ou participantes dos crimes (atos infracionais) cometidos pelo adolescente, muito menos que em liberdade possam causar qualquer risco à sociedade, bem como algum prejuízo à obtenção de provas.

Eduardo Alves da Costa escreveu um poema, na década de 60, que se transformou em um hino na luta contra a ditadura militar, no Brasil. Chama­-se “No Caminho, com Maiakóviski”, que se encaixa, como “uma luva”, com os rompentes autoritários que acompanhamos nos últimos anos e que ficou escancarado na conduta do Governador de Goiás:

“Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.”

 

Não se pode tolerar que os momentos de tragédias humanas como as que estão acontecendo no Brasil, sirvam de palanque para medidas autoritárias e ile­gais como as praticadas pelo governador Caiado. Se queremos um país próspero, temos que seguir as normas estabelecidas na Constituição e nas leis de regência, não tolerando usurpações de competência, nem abusos de autoridades, sob pena de descambarmos para um estado sem leis.

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