Vinicius de Morais (19/10/1913-09/07/1980), libriano como eu, e para os mais chegados “Vini” ou “Poetinha”… Sempre que vejo algo escrito sobre ele vou fundo. Dia desses, numa antiga entrevista com Maria Betânia, ela contou como Vinicius conheceu Gesse Gessy, uma baiana bem mais nova do que ele, uma artista de teatro iniciante. Betânia disse que bastou uma troca de olhares, algumas palavras ditas pelo “Poetinha” para que a moça morresse de encantos por ele.
Foram morar juntos em salvador, iniciou sua fase baiana que ele tanto sonhava e mudou de casa duas vezes atrás de sossego, até construir uma casa em Itapuã para viver com Gesse. Foi nesta casa que meu amigo Toquinho, que na época iniciava sua parceria com Vinicius, foi visitá-lo e tentar compor mais algumas músicas em dupla. Já tinham feito algumas, mas não aquela que, podemos dizer, seria aquele “gol de placa”.
Mas, como nada acontece por acaso, Toquinho, passando pela escrivaninha do poeta, viu uns versos lindos escritos e pediu que o deixasse tentar musicá-los. Vinícius disse: “Essa não, essa vou dar para o Caymmi musicar.” E guardou numa gaveta. Toquinho tinha pelo parceiro o maior respeito, mas não jogou a toalha, pediu a Gesse que desse um jeito de pegar tais versos escondido do poeta.
Ela topou e quando teve a chance, surrupiou aquela folha. Toquinho se recolheu no quarto e em minutos colocou melodia. Nascia ali “Tarde em Itapuã”, na minha opinião o maior sucesso deles. Era música obrigatória em todos os shows da dupla. O problema era como criar coragem para mostrar ao parceiro o que ele havia feito. Toquinho andava pra lá e pra cá com seu violão em punho e Vinicius, como que adivinho, falou pro parceiro, a quem chamava de “Toco”: “Toco, você está querendo me mostrar algo?” Toquinho disse: “Tô sim, ouça o que fiz com seu poema”.
Suas mão ágeis fez aquela linda introdução e cantou com todo seu coração… “Um velho calção de banho, o dia pra vadiar, um mar que não tem tamanho, um arco-íris no ar…” O forte desta música é o refrão: “Passe uma tarde em Itapuã, o sol que arde em Itapuã, ouvindo o mar de Itapuã, falar de amor em Itapuã…”
Quando terminou, olhou para o rosto do poeta e perguntou: “Gostou, Vini?” Vinicius, sentindo-se traído e meio entre os dentes, disse: “É, ficou bonitinha.” Passados alguns minutos abraçou Toquinho e disse: “Toco, eu te amo”. Choraram um pouquinho juntos e passaram a régua na desobediência.
Sobre esta música, vivi uma experiência deliciosa na Praia do Felix, próximo a Ubatuba. Estávamos em quatro casais saboreando deliciosas caipirinhas quando meu amigo Cipó disse: “Buenão, pegue o violão e cante ‘Tarde em Itapuã’, ela lembra muito este lugar, cheio de coqueiros, sol e esta caipirinha show de bola”. Comecei a cantar e quando chegou no refrão, a galera próxima cantou junto contagiando a todos. De repente a praia toda cantava numa só voz, foi muito emocionante.
Nas vezes em que Toquinho esteve aqui por Ribeirão Preto, Sócrates armava aquela pelada e depois aquela resenha regada a chope, churrasco e dá-lhe causos como o que contei acima. Tem um que acho genial. Toquinho contou que estavam ele, Vinicius, Tom Jobim, Carlinhos Vergueiro e mais alguns amigos quando o “Poetinha”, meio intrigado, falou: “Se for verdade que a gente morre para depois reencarnamos novamente, tenho um pedido pra fazer pra Deus.” Tom deu aquela risada deliciosa e disse: “Caramba, Vini, o que você vai pedir pro homem?” O poeta mandou ver: “Vou pedir a ele que me mande com o bilau um pouquinho maior…” Foram risadas sem fim, imagine o que virou aquela roda de prosa.
Sexta conto mais.