Por Luiz Carlos Merten, especial para o Estadão
Existem diferentes maneiras de abordar um filme como Morbius, que estreou na quinta, 31 de março. Uma delas refere-se aos números. O filme entrou em 1.750 salas do Brasil. No mesmo dia, uma produção brasileira de ambição comercial e artística – Alemão 2, de José Eduardo Belmonte – entrou num circuito consideravelmente menor que o blockbuster da Sony e da Marvel: 262 salas.
Apesar das mudanças que a pandemia operou na maneira de ver os filmes – muita gente ainda não voltou às salas, permanecendo no streaming -, o “deus mercado” continua formatado para a produção estrangeira. Leia-se – hollywoodiana.
A outra forma de ver refere-se à qualidade estética (e inquietação política) que a obra possui. E aqui é preciso identificar a persona do diretor sueco Daniel Espinosa. Sueco – com esse nome? Espinosa nasceu na Suécia, no final dos anos 1970, filho de exilados chilenos que fugiram do golpe orquestrado pelo General Pinochet contra o governo constitucional de Salvador Allende.
História e ficção
Embora de esquerda, Allende tentou efetuar mudanças significativas na sociedade do Chile de forma legal, não violenta. Foi deposto pelo militar que lhe jurara fidelidade. Tombou nas ruínas do palácio de La Moneda, bombardeado em 11 de setembro de 1973.
O que Morbius tem a ver com isso? Como personagem de ficção da Marvel, surgiu em The Amazing Spider-Man # 101 como vilão. Deixou de existir quando o Aranha o derrotou no # 210, e um acidente o fez voltar a ser humano. Porque a questão sempre foi essa. Experimentos científicos transformaram o Dr. Morbius num vampiro sedento de sangue. Na visão de Espinosa, o Aranha está ausente e todo o conflito se estabelece entre dois amigos de infância. Ambos se conheceram no orfanato. Possuem distúrbios sanguíneos raros que produzem deformidades físicas. Morbius vira cientista renomado, Milo adquire fortuna e financia suas pesquisas.
Ambos também podem ser o Médico e o Monstro. Morbius sonha transformar a condição física dos que sofrem. Seu experimento consiste em combinar DNA de morcegos com humano. O personagem tem algo de Drácula. A grande experiência realiza-se em águas internacionais, numa embarcação chamada Murnau. Como? Em 1922 – há 100 anos! -, sem licença para filmar o Drácula de Bram Stocker, Friedrich Wilhelm Murnau criou seu clássico expressionista de vampiros. Morbius, como Nosferatu, vem do mar. No Murnau, chega à cidade em um barco, semeando destruição com seu exército de ratos.
Como cientista, Morbius é um homem ético. Precisa de sangue, usa o artificial. Milo, o financista, não tem esse tipo de preocupação. O dinheiro lhe dá poder. Suga sangue humano. Capital e ciência, capital – e trabalho? O DNA de esquerda dos pais de Alvarado nutrem a narrativa.
Jared Leto é quem cria Morbius. Vencedor do Oscar de coadjuvante por Clube de Compras Dallas, foi massacrado ao interpretar o Coringa, que considera, mesmo assim, o papel de sua vida. Um filme onde o vilão – do Aranha – vira mocinho, tentando dominar seus instintos, subverte padrões tradicionais. O próprio filme vira um experimento (ideológico). Morbius é muito interessante.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.