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Viena e Cítara

Os ingleses, por volta de 1950, resolveram fazer um filme em Viena, documentando o final da II Grande Guerra.

Segundo a crônica, os diretores e atores, numa noite, diri­giram-se a um restaurante para jantar onde se apresentava um grupo musical dirigido por Anton Karas. Tocava uma cítara, instrumento musical comum na Áustria e Alemanha. Provavel­mente nascido na Grécia, onde se chamava “khitara”.

Num determinado momento Karas apresentou uma mú­sica de sua autoria. Os ingleses ficaram tão entusiasmados que pediram ao músico autorização para constar da trilha sonora de seu filme. Foram autorizados. A música fez um enorme sucesso. O filme chama-se “O Terceiro Homem” que é o nome com pelo qual foi batizada a música.

O filme é inglês. Como inglês foi seu diretor Carol Reed que trabalhou sobre uma história escrita por outro britânico, o extraordinário Graham Greene. A atriz era a italiana Alida Vali e os atores os americanos Joseph Cotten e Orson Welles.

Havia necessidade política de esmaecer as vitórias dos russos contra o nazismo, derrotados por eles em Varsóvia, Viena e Berlim. No filme, as tropas de ocupação pretendem prender um norte-americano que então vendia penicilina falsa, matando doentes. Todos os doentes queriam tomar a nova vacina, perdão, a nova penicilina. O papel do criminoso foi protagonizado por Orson Welles, o Harry. Joseph Cotten tornou-se o “mocinho”. Ambos antigos amigos nos Estados Unidos.

Uma questão de ética, marca registrada de Graham Greene, surgiu com o filme. Eis a cena mágica: os dois amigos encon­tram-se na roda gigante de Viena, até então a maior do mundo.

O “mocinho” cobra do amigo “bandido”, uma conduta éti­ca, acusando-o de estar vendendo penicilina falsa, matando assim muita gente. O bandido responde que nada mais faz do que ir ao encontro do desejo daquelas pessoas que, depois da guerra, preferiam morrer do que continuar mortas-vivas. Sua conduta não era crime, mas, sim, uma firme contribuição para resolver problemas sociais facilitando as mortes vienenses para ganhar dinheiro.

Argumenta o “bandido”: a Itália quase sempre foi governada por ditadores sanguinários. No entanto, tornou-se a pátria de Maquiavel, Leonardo, Michelangelo, Dante e Verdi. Ao contrá­rio, a Suíça há séculos é um país democrata e somente conseguiu revelar o relógio do cuco.

Quais dos dois caminhos é o caminho do progresso? Para o “bandido”, seguramente é aquele trilhado pelos italianos. A afir­mação, sobre ser repelente, ainda permeia muitas das relações modernas de governos de países nossos conhecidos: a morte dos famintos promove o progresso da Pátria!

Na cena final, o “bandido” foge da polícia pelos esgotos de Viena. Foram muitos os aplausos para a cena e para o seu famo­so artista. Contudo, diz à crônica que, na ocasião, Orson Welles estava doente mas o seu sorriso cínico lá estava presente como que para escarnecer da civilização moderna.

O filme foi carregado de cores pretas. Seria aquilo que naque­la época qualificava-se como “filme de medo”.

É o meu filme predileto. Há alguns anos atrás estive num restaurante na Viena, onde se apresentava um conjunto, no qual figurava um músico com sua cítara. Alguém me perguntou se desejava ouvir uma música. Pedi que tocassem o tema de “O Terceiro Homem”. Os músicos bateram palmas. A primeira e úl­tima vez que vi e ouvi músicos batendo palmas para em seguida apresentarem o tema de Anton Karas.

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