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Vidas sob tensão na comunidade

Manhã de terça-feira, 14 de maio. Nas três imensas ruas de terra da Comunida­de Nova União, localizada ao lado do Centro de Controle de Zoonoses de Ribeirão Pre­to, às margens da via Norte, o movimento de moradores é quase inexistente. Encontrar alguém por lá, só é possível di­retamente em um dos cerca de duzentos barracos de madeira ou alvenaria ali existentes.

Os nomes das ruas da co­munidade, dados pelos mo­radores, aliás, são no mínimo inusitados. A principal via se chama Rua Liberdade, a segun­da é uma homenagem à vere­adora carioca Marielle Franco, assassinada no ano passado, no Rio de Janeiro. Já a terceira tem o nome de John Charles em homenagem ao famoso joga­dor de futebol irlandês.

O vazio de pessoas nas ruas tem um motivo princi­pal e é facilmente explicado: durante o dia a comunidade fica quase sem ninguém por­que a maioria dos moradores trabalha e parte das crianças, está em uma creche ou escola da região. As que não con­seguiram vagas, regra geral, permanecem dentro de casa. A comunidade Nova União foi criada em 2015 e chegou a ter cerca de 400 famílias.

Entretanto, em função das várias tentativas da prefeitura, por meio da Justiça, de reti­rá-los do local, ela encolheu e tem agora 198 famílias. Se for considerada a média de cinco pessoas por família, estabeleci­do pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o total de moradores por lá é de aproximadamente 900 pessoas.

A comunidade Nova União foi criada em 2015 e chegou a ter cerca de 400 famílias

A aparente tranquilidade verificada pela reportagem na terça-feira, não é algo que faz parte em tempo integral do co­tidiano da Nova União. Desde o governo da ex-prefeita Dárcy Vera, que ela vive sob a possibi­lidade de reintegração. A ação corre na 1ª Vara da Fazenda Pública desde 2016.

Vale lembrar que na admi­nistração da ex-prefeita, parte da favela que pertencia à ini­ciativa privada foi desocupada e no local foi construído um hipermercado. Na época, cerca de duzentas famílias foram re­tiradas e tiveram que procurar outro local para morar. Ao lado do muro que separa a favela do estabelecimento comercial, os moradores criaram uma horta comunitária.

Já a mais recente tentativa de reintegração aconteceu no final do ano passado. Com dia e hora marcados, ela só não foi realizada porque parte dos moradores acampou na porta do Palácio Rio Branco, sede da prefeitura, para forçar uma ne­gociação. Depois de vários dias por ali, em uma reunião com o secretário de Planejamento Ed­son Ortega ficou definido um pedido de adiamento da ação judicial – sobrestamento – por noventa dias.

Neste período algumas ações seriam realizadas pelo municí­pio, como, por exemplo, o le­vantamento do número de mo­radores, a condição econômica deles, total de filhos e quantos precisariam de vagas em creches e escolas. Esses dados seriam in­cluídos no processo judicial para embasar decisão posterior.

Parte do levantamento teria sido realizada pela prefeitura, mas, segundo os moradores, como os técnicos fizeram a pesquisa durante os dias úteis da semana, muitos ficaram sem ser recadastrados, pois es­tariam trabalhando. “Estamos vendo com nossos advogados como resolver isso”, afirma Wallace Rafael de Oliveira, lí­der comunitário do local.

O Minha Casa Minha Vida está parado e a prefeitura diz que vive uma crise financeira

Para ele, o recadastramento de todos moradores é funda­mental para que a Justiça saiba quantos eles são e tenha sub­sídios para decidir favoravel­mente a eles. Wallace quer que a Justiça os mantenha no local e determine a reurbanização da comunidade. Ou, em último caso, autorize a transferência, desde que os moradores sejam contemplados pela política ha­bitacional do município.

“Não dá para chegar aqui e simplesmente tirar duzentas famílias e dizer para elas se vi­rarem. Ninguém mora nestas condições precárias porque quer,” afirma. Os moradores reclamam também que a favela não foi incluída no Programa de Regularização Fundiária de­senvolvido pelo município.

Outra preocupação que nos últimos dias ganhou desta­que nas rodas de conversas dos moradores diz respeito à reinte­gração da área que parece mais próxima com o fim do sobres­tamento da ação judicial. Para eles, isso significa que a ação poderá voltar a seguir os trâmi­tes normais e que pelo menos em tese, a reintegração poderá acontecer a qualquer momento.

Procurado pela reporta­gem, o secretário Edson Or­tega afirmou que não tinha esta informação. “Como está judicializado, o juiz é quem toma as decisões,” disse. Ele garantiu que mandaria veri­ficar o processo. Quando da ocupação dos moradores na porta do Palácio Rio Branco, o governo afirmou que a de­socupação havia sido deter­minada pela Justiça e estava sendo discutida com os mora­dores há vários meses.

Na época, a prefeitura di­vulgou que foram realizadas reuniões com a participação da Defensoria Pública, Ministério Público, Conselho Municipal de Habitação, administração municipal e os moradores. Na­quela área a Prefeitura preten­de construir 542 apartamentos pelo programa Minha Casa Minha Vida destinada para fa­mílias de baixa renda.

O governo disse também que todos os moradores do local foram cadastrados por as­sistentes sociais e inscritos nos programas habitacionais do município e poderão concorrer a um dos apartamentos se pre­encherem os requisitos estabe­lecidos pelo programa

A principal via se chama Rua Liberdade, a segunda é uma homenagem à vereadora carioca Marielle Franco

Outro lado
Advogado dos moradores, Fernando Tremura confirma o fim do sobrestamento, mas acredita que isso não deverá fazer a Justiça decidir de forma apressada o assunto. Ele alega que as ações que a prefeitura fi­cou de adotar não foram feitas de forma completa e nem havia sido anexada ao processo como ficou acordado.

“A prefeitura fez um levan­tamento parcial dos moradores porque foi lá durante a sema­na e muitos moradores não estavam em casa porque tra­balham. Por lógica, teria quer ir aos sábados e domingos,” sugeriu. Ele afirma ainda que este é apenas um dos motivos pelos quais vai pedir um novo sobrestamento do processo. “E faremos isso todas as vezes que for necessário,” garantiu.

Outro argumento citado por Tremura diz respeito à afir­mação feita pela administração municipal de que precisa da área para a construção de apar­tamentos para famílias de baixa renda, daí a pressa em retirar es­sas famílias do local.

O advogado diz que, ape­sar do município afirmar que tem um projeto pronto, a Caixa Econômica Federal, gestora deste tipo de empre­endimento – Programa Minha Casa Minha Vida – não estaria recebendo nenhum projeto dos municípios brasileiros por decisão do Governo Federal. “O Minha Casa Minha Vida está parado e a prefeitura diz que vive uma crise financeira, sem dinheiro para nada. En­tão este projeto dificilmente sairá do papel,” conclui.

Atualmente, o Programa Minha Casa Minha Vida, desti­nado às famílias de baixa renda está suspenso e o governo fede­ral não tem assinado contratos com as prefeituras. O Ministério do Desenvolvimento Regional, responsável por essa faixa do programa, afirma “que não foi suspenso e que é uma priorida­de do governo federal”.

Áreas reintegradas
A administração Duarte Nogueira (PSDB) já desocupou, até o momento, quinze áreas. A secretaria municipal de Plane­jamento garante que são ocupa­ções irregulares que por decisão judicial em ação de reintegração de posse, ou pelo exercício do poder de polícia municipal, fo­ram retomadas pelo município.

Elas estão localizadas nos bairros Jardim Antonio Palocci, Vila Mariana, Vila Tibério, Jar­dim Aeroporto, Parque Ribeirão Preto, Jardim Marchesi, Jardim Diva Tarlá, Jardim Salgado Fi­lho, Vila Pompeia, Jardim Hei­tor Rigon, Recreio Anhanguera, Vila Zanetti e Bonfim Paulista
Segundo o governo, as famí­lias atingidas pela desocupação são orientadas a voltarem para o local de onde vieram e a prefeitu­ra oferece apoio e orientação so­cial na desocupação. O Tribuna apurou que três reintegrações de área devem ser feitas pelo muni­cípio nos próximos dias.

A Prefeitura informa tam­bém que 35 locais já foram be­neficiados com a regularização fundiária. Deste total 12 estão contemplados pelo Programa Cidade Legal, uma parceria entre o município e a Secreta­ria Estadual de Habitação. O programa visa a regularização fundiária de núcleos urbanos irregulares. Em Ribeirão foram beneficiados o Jardim Progres­so, Jardim Monte Alegre, Magid, Avelino Palma, Anhanguera, Campos do Jordão, Serra Negra, Cruz e Souza, Zara, Nuporanga, Ubatuba e Trevo.

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