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Vidas negras importam!

O debate do e sobre o racismo retornou com toda força nas últimas semanas, impulsionado pelo assassinato brutal do homem negro George Floyd por um policial branco em Minneapolis. O fato, além de escanca­rar o racismo dentro do sistema policial estadunidense, vem provocando as maiores ondas de protestos raciais nos Estados Unidos e em todo o mundo, inclusive aqui no Brasil, desde as memoráveis manifestações pe­los direitos civis por ocasião da morte do pastor Martin Luther King, na década de 60. Nossa coluna de hoje convida os leitores a refletiremsobre o que é o racismo e o lugar que ele ocupa na formação das sociedades pós-coloniais, especialmente dabrasileira.

Temos uma história de 300 anos de escravidão negra. Na América, o Brasil foi o último país a aboli-la. Depois de mais de um século, ainda está enraizado no inconsciente coletivo da sociedade um pensamento que marginaliza as pessoas negras e que as impede de se constituírem como cidadãs plenas. Fala-se muito de “racismo estrutural”. Mas o que é isso? É a naturalização de ações, hábitos, situações, falas e pensamentos que já fazem parte da nossa vida cotidiana e que promovem, direta ou indiretamente, a segregação ou o preconceito racial. Um processo que atinge tão dura e diariamente a população negra.

Por que essa discussão se faz necessária? Porque as questões raciais são estruturantes e fazem parte da construção das nossas sociedades pós-coloniais. Não há como compreender o colonialismo sem o racismo. Como afirma Boaventura de Souza Santos em “A Ecologia dos Saberes”, o racismo é a ideologia do colonialismo. As subjetividades que nos com­põem — os nossos preconceitos, por exemplo — acabam construindo as relações sociais que estabelecemos. E essas relações estão impregna­das de uma construção histórica equivocada, que mantém a população negra em posição de subalternidade.

O filósofo Silvio Almeida, autor de “O que é racismo estrutural”, nos lembra que longe de ser uma anomalia, o racismo, tragicamente, é “o normal”: “Independentemente de aceitarmos o racismo ou não, ele constitui as relações no seu padrão de normalidade”. Esse equívoco de narrativa resulta na desvalorização da cultura, inteligência e história da população negra. Mina suas potencialidades e ainda aumenta o abismo criado por desigualdades sociais, políticas e econômicas.

Não precisamos ir muito longe para percebermos aqui mesmo em Ribeirão a presença deste racismo estrutural movendo as engrenagens sociais, culturais e políticas. Existiu durante algum tempo por aqui um feriado da Consciência Negra em 20 de novembro, dia de Zumbi dos Palmares, como existe em centenas de outros municípios brasileiros. Foi resultado da mobilização e da pressão do movimento negro. Posterior­mente, este feriado foi derrubado pelo conluio de interesses políticos e econômicos das nossas elites locais. Ainda temos a difícil aplicação da lei 10.639/2003 que estabelece a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e indígenanas nossas escolas. Não é levada a sério pelos sistemas de ensino.

Para falar sobre os efeitos do racismo na sociedade brasileira é pre­ciso encará-lo como um fenômeno transversal. Devemos entender que ele forma uma teia de violências que afeta jovens, homens e mulheres encarceradas(os), define os mecanismos que regulam o tráfico de mu­lheres e meninas, afeta a vida da população LGBTQI+ e da população quilombola e explica o preconceito contra as religiões de matriz africana, ameaçando sua humanidade e seu direito de existir. Está presente nas ruas, nas escolas, nas igrejas, nas redes sociais e em vários outros espaços dominados hegemonicamente pelos brancos.

É preciso lembrar aqui de Frantz Fanon e, em especial, da sua obra “Pele negra, máscaras brancas”. Para este intelectual negro, “o racismo e o colonialismo deveriam ser entendidos como modos socialmente gerados de ver o mundo e viver nele”. Mais de 60 anos depois da sua publicação, colocar o dedo na ferida do racismo e dos impactos da es­cravidão negra ainda causa uma certa saia justa. Algumas passagens da obra chocam por serem completamente radicais, mas dolorosamente verdadeiras e fortemente presentes na sociedade brasileira contempo­rânea. É por tudo isso e muito mais que essa discussão importa e que vidas negras importam!

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