É praticamente impossível transitar pelas ruas de Ribeirão Preto e não encontrar dezenas de pessoas, a cada quarteirão, caminhando com os olhos fixos na tela do celular e teclando alguma coisa. Se elas forem interrompidas e perguntadas sobre algo que aconteceu, segundos antes ao seu redor, dificilmente saberão responder em função da intensidade com que estão fixadas na tela do smartphones.
Na última semana, o Tribuna fez um teste no Calçadão, no Centro de Ribeirão Preto e constatou que, de cada dez transeuntes que passavam pelo local, cinco estavam telefonando ou utilizando aplicativos de mensagens. Apesar de poderem se transformar em vítimas de roubo ou furto de celular, as pessoas entrevistadas afirmam que o sentimento e a aparente necessidade em usar o aparelho, é inconscientemente maior do que o medo de serem furtadas.
Este é o caso de Gabriela de Moura Guimarães, de 24 anos. Funcionária de uma empresa de telefonia, ela reconhece que fica a maioria do tempo ligada no celular e, especificamente no aplicativo WhatsApp enviando ou a espera de alguma mensagem. Gabriela que tem em seu aplicativo mais de cem contatos é casada há quatro anos e admite que utiliza pouco o aplicativo para falar com o marido. “Até mando mensagens para ele, mas não são tantas como as que envio para minhas amigas”, completa. Ela reconhece que é viciada em celular, que o aparelho nunca é desligado e que um item que não pode faltar em sua bolsa é o carregador de bateria. “Já virou parte do meu dia ficar conectada”, finaliza.
Amenidades
A atendente de farmácia, Raiana Rodrigues Totoli, de 21 anos, que na última quarta-feira escolheu um “cantinho”, em frente a uma loja de perfumes no Calçadão da cidade, para enviar mensagens de WhatsApp também reconhece sua dependência do celular. Com 74 contatos no aplicativo e participante de sete grupos de conversas, ela diz que muitas mensagens que recebe, ou envia, são sobre amenidades. Isto é, assuntos que se não fossem enviados não fariam diferença no seu cotidiano.
“Por exemplo, acabei de comprar um sofá e mandei fotos dele para minha irmã. Às vezes vejo uma roupa em uma loja e mando fotos para as minhas amigas. Este tipo de coisa não é urgente e minha irmã poderia ver o sofá quando fosse me visitar“, admite. Só para destacar, para postar as fotos do sofá ela ficou completamente concentrada no teclado do celular sem aparentemente se preocupar com o fato de que poderia ser alvo de furto. “Às vezes me pego fazendo isso. Mas hoje até que parei aqui neste canto em frente a essa loja”, finaliza.
Exceção à regra constatada no Centro da cidade pelo Tribuna, a servidora pública estadual Letícia Oliveira Maciel, 30 anos, garante que o celular não é imprescindível no seu dia a dia. “Claro que ele é importante para me comunicar. Mas não fico o tempo todo fazendo ligações ou enviando mensagens pelos aplicativos”, diz. Para comprovar isso, ela lista os número de contatos que possui no WathSapp: 20 pessoas, a maioria familiares. Ela afirma também que muitas mensagens que recebe discutindo temas que não despertem o seu interesse são imediatamente excluídas. “Principalmente quando a pessoa fica falando o tempo todo sobe política e mal de um ou de outro”, finaliza.
Nova doença
Estudos da Organização Mundial de Saúde (OMS) identificaram uma doença ligada a saúde mental e cujo sintoma é a dependência incontrolável do celular, das redes sociais e da internet. Ou seja, a pessoa não consegue ficar sem estes instrumentos digitais. Uma recente pesquisa feita pela revista “Time” e pela Qualcomm, em diversos países, mostrou que o uso do celular está cada vez mais intenso. Dos cinco mil participantes, 79% disseram que se sentem mal sem o telefone. No Brasil, 58% afirmaram que usam o celular a cada 30 minutos e 35% a cada dez minutos.
Tatuador usa aplicativo para buscar novos clientes
O tatuador Hércules Antonio Puga, 51 anos, que tem um estúdio de tatuagens na rua São Sebastião, no centro de Ribeirão Preto, decidiu atrair novos clientes no Calçadão. Além de distribuir os populares cartões de visita, ele aproveita o tempo em que permanece no local para enviar dezenas de mensagens, fotos e vídeos das tatuagens que faz. O objetivo, segundo ele, é aumentar o número de clientes. “Mando em média 150 mensagens de WhatsApp por dia. Fico o tempo todo teclando ou furando alguém com a agulha”, brinca.
Com cerca de 350 contatos no aplicativo, Hércules diz que há muito tempo – uns dois anos- não faz mais ligações telefônicas, inclusive para a esposa ou os dois filhos, já adultos. “É tudo pelo aplicativo e quando alguém manda uma mensagem chata nem respondo“, diz.
Psicólogo diz que Aplicativo dá sensação de poder divino
A excessiva dependência do celular, especificamente dos smartphones, tem possibilitado que as pessoas se acomodem dentro do mundo virtual de maneira que não tenham a necessidade de encarar as questões do cotidiano que são mais pesadas ou complicadas. É muito mais difícil conversar frente a frente com as pessoas para resolver problemas e encarar o que pode surgir nestas conversas. Como por exemplo, ouvir um não.
É muito mais simples e cômodo, através do mundo virtual, mandar recados, incluir e deletar alguém da lista de contatos, ou simplesmente ignorar e fingir que não viu um recado. E isso pode ser feito de maneira simples, quando se ativa o mecanismo que proíbe que aquele que enviou a mensagem saiba que quem a recebeu leu o texto. Ai é fácil e o remetente fica no comando, pois vê o que o outro quer, mas responde somente se desejar.
Esta situação acabou criando uma dependência tão gigantesca em todo o mundo, que na Inglaterra, por exemplo, foram feitos estudos sobre uma nova doença chamada nomofobia que tem a ver com o medo de ficar longe do aparelho celular, mesmo quando ele está desligado. Dentro deste quadro vão sendo desenvolvidas novas e graves doenças. Só para citar, no começo deste ano a Organização Mundial de Saúde (OMS) considerou como doença, num primeiro momento, a dependência em jogos eletrônicos e posteriormente falou-se também na dependência de celular.
Os aplicativos de conversas, que são ferramentas importantes em nossa sociedade, muitas vezes dão às pessoas a sensação de que elas têm Poder Divino. Que são donas da verdade não respeitando o posicionamento das outras pessoas. E essa postura tem afetado todas as classes sociais, todas as faixas etárias e se transformado em uma verdadeira pandemia.
Guilherme Davoli, psicólogo atuante como psicoterapeuta, professor de psicologia, consultor empresarial e educacional
Metade dos BOs tem celular como objeto
Números Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP) revelam um aumento de 3,5% nos roubos registrados em Ribeirão Preto. Foram registrados de janeiro a setembro 2.925 ocorrências, contra 2.826, no mesmo período do ano passado. Os celulares são os principais alvos dos ladrões e estão presentes em quase metade dos boletins de ocorrência de roubos e furtos registrados. O Tribuna solicitou Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo – através do Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão – a atualização destes dados, mas até o fechamento desta matéria tinha obteve retorno.
De acordo com os Boletins de Ocorrência registrados na cidade, a maioria dos roubos e furtos acontece quando o dono do celular está distraído, andando com o aparelho nas mãos, telefonando e enviando mensagens via aplicativos. Em função desta distração ele não percebe a aproximação do ladrão.