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Viagem no dia 30 de dezembro

Detestou a necessidade de ir a São Paulo, logo no dia 30 de dezembro. Final de ano, preparativos para o Reveillon e lá vem esse convite para um almoço com o CEO da montadora. Tentou, ao telefone, conseguir um adiamento do encontro. Convenceu­-se da inutilidade do argumento, quando o anfitrião informou que precisaria fechar uma proposta de interesse da associação, que o convidado presidia e que levaria à matriz, saindo de férias em seguida. A responsabilidade falou mais alto. No dia seguinte, ainda bem cedo, viu o sol nascendo ao lado da cabeceira da pista do aeroporto e preparou-se para o voo matinal.

Era o começo da aviação regional, operada pelos primeiros Bandeirantes da EMBRAER, aeronaves de doze lugares, sem divisão entre as cabines de comando e dos passageiros. Gostava de viajar na primeira fileira do lado direito, permitindo ver a atividade do comandante, levando a aeronave a seu destino.

A reunião transcorreu tranquila, os objetivos foram alcança­dos. Logo estava de volta ao aeroporto. Embarcou. Havia somen­te quatro pessoas no avião: os dois tripulantes, um desconhecido, que o ignorou, e ele. Sentou no seu assento preferido e passou a acompanhar os preparativos da decolagem. Lamentou que o estranho não tivesse, ao menos, o cumprimentado.
Menos de uma hora depois, Ribeirão Preto surgia ao longe e a tripulação se preparava para a descida. Avistada a pista e ini­ciado o pouso, um estridente alarme soou na cabine. Imediata­mente, o piloto arremeteu a aeronave. De seu assento, o homem percebia o nervosismo do comandante, checando botões e alavancas. Olhava para baixo e amaldiçoava o compromisso. “- Será que vamos cair? Vou morrer, nunca mais vou rever minha família? E se, na queda, ficar muito ferido?”

O avião preparou-se novamente para o pouso e veio descen­do suave e silencioso. Quase ao tocar o solo, de novo o alarme forte e contínuo. Nova arremetida. Começou a sentir um de­sespero incontrolável. Pela primeira vez na vida, enfrentava um perigo iminente de morte. Seu cérebro processava, em desvario, uma série de possibilidades. O comandante começou uma ma­nobra de desacelerar e acelerar a aeronave. Os dois passageiros não sabiam o que estava acontecendo.

O desconhecido, que ignorara solenemente o homem, passou a com ele conversar, estabelecendo-se uma solidariedade causada pelo desastre iminente. Contou que morava no exterior e viera passar as festas com a família, residente em Ribeirão. A aflição foi tomando conta dos dois até que o comandante, virando-se de seu assento, comunicou que o indicador de bordo apontava falha no travamento do trem de pouso. Tentaria pousar de barriga. Deu instruções de abraçar as pernas e colocar a cabeça no apoio por elas formado.

O pouso demorou, pois o avião veio reduzindo sua veloci­dade, ainda distante da cabeceira, preparando-se para tocar a pista na menor velocidade possível, suficiente para manter sua sustentação. O copiloto disse que tocariam o solo tentativa­mente, pois havia a possibilidade de o trem ter travado, apesar da indicação negativa no painel. Foram instantes terríveis, uma angústia desconhecida. Da janela, o homem via os caminhões de bombeiros preparados, a ambulância de prontidão. O avião tocou a pista, quicou e pousou sem nenhum problema, o trem de aterrissagem funcionando perfeitamente. Tinha sido uma pane nos instrumentos.

Os passageiros trocaram cartões e se comprometeram a comemorar o não acidente, num dos bares da cidade. Com a camisa totalmente molhada de suor e uma dor de cabeça forte, o homem abraçou ternamente a esposa que o esperava. Chegando em casa, depois de contar e reviver o medo sentido, duas doses duplas de uísque amenizaram os momentos de sofrimento.

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