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Cultura

‘Veneza’, de Falabella, uma ode ao sonho

Em junho de 2020, Miguel Falabella deixou a Globo, de­pois de 40 anos de casa. E, ao invés de se lamentar, ele apro­veitou o horizonte aberto para se diversificar: quando com­pleta um ano sem contrato fixo, o ator, diretor e roteirista enumera uma série de proje­tos realizados ou próximos do ponto final, como a tradução de um livro infantil, a criação de uma série para o streaming, a versão filmada de uma de suas peças e, finalmente, a es­treia de sua obra mais acari­nhada, o filme “Veneza”.

“É o trabalho que marca minha maturidade artística”, comenta, emocionado. De fato, se sua estreia como cineasta em 2008, com “Polaróides Urbanas”, foi um primeiro exercício com a linguagem cinematográfica, agora Falabella dá um salto qua­litativo, realizando um longa­-metragem marcado por uma sofisticada narrativa, com inspi­ração em mestres como Federi­co Fellini (1920-1993) e Luchino Visconti (1906-1976).

“Veneza” estreou nesta quinta-feira, 17 de junho, nas salas de cinema dos quatro shopping centers de Ribeirão Preto – UCI (RibeiorãoSho­pping), Cinemark (Novo Shopping) e Cinépolis (Santa Úrsula Shopping e Shopping Iguatemi) de Ribeirão Pre­to – e em circuito nacional. Concentra-se na história de Gringa, dona de um bordel no interior do Brasil que, mesmo cega e doente, sonha em viajar para a cidade ita­liana, onde acredita que vai reencontrar um amante que ela abandonou na juventu­de. Com a impossibilidade financeira de realizar tal de­sejo, seus amigos simulam a viagem com a ajuda de artis­tas de circo, usando a fantasia e deixando-a feliz.

“É um filme poético, ins­pirado nas fábulas latinas, que permite encher a vida de metáforas”, conta Falabella que, para escrever o roteiro, partiu de uma peça do argen­tino Jorge Accame. “O ori­ginal é curto, então fiz algu­mas adaptações, criando, por exemplo, uma trama paralela sobre uma garota de progra­ma que se apaixona por um rapaz que sonha ser trans e tem ereção quando se veste de mulher.”

“Veneza” tornou-se um produto bem acabado por conta da conjunção de talen­tos envolvidos. A começar pelo elenco – Dira Paes vive a administradora do bordel e conta com o auxílio de um rapaz interpretado por Edu­ardo Moscovis. Já os papéis das prostitutas são distribu­ídos para Danielle Winits, Carol Castro, Laura Lobo e Maria Eduarda de Carvalho.

Mulheres que lutam para sonhar e que vivem cenas vo­luptuosas, com as quais Fa­labella homenageia as divas, especialmente as italianas. “Os seios significam uma ode ao prazer”, conta Falabella que, para o papel da Gringa, necessitava de uma atriz es­trangeira.

“Como trabalhei muito na Argentina, minha primeira opção foi Norma Aleandro, uma verdadeira diva, mas, na época (2019), com 83 anos, ela não se sentiu à vontade e sugeriu uma colega com quem divide o mesmo agen­te artístico: a espanhola Car­men Maura”, relembra Fala­bella que, embora descrente, enviou o roteiro para a atriz que marcou o início da car­reira de Pedro Almodóvar.

“Para minha surpresa, ela telefonou dias depois dizen­do aceitar o papel. Carmen foi encantadora, e ainda traz nos olhos o brilho da Movida Madrilenha”, observa ele, so­bre o movimento de contra­cultura que sacolejou Madri nos anos 1970, na transição pós-franquista.

Apesar do elenco de pri­meira linha, o projeto não encontrava financiadores, a maioria temerosos com o fato de o filme ter prostitutas como protagonistas. Quem revelou sensibilidade artísti­ca foi Julio Uchôa, que abra­çou a empreitada. Mesmo assim, com produção redu­zida – foram apenas 28 dias de filmagem, distribuídos em locações como Quissamã (RJ), Montevidéu (Uruguai), Rio de Janeiro e Veneza, pro­priamente, na qual filmaram durante três noites.

O filme, no entanto, traz magia nas cores fortes da fo­tografia de Gustavo Hadba, especialmente nas cenas de magia em que Gringa imagi­na estar passeando de gôndo­la em Veneza, uma simulação feita pelos amigos que sua ce­gueira não permite descobrir. “É um mundo colorido em meio a uma vida cruel”, ob­serva Falabella que, além de Fellini, trouxe referências de outro grande cineasta italia­no, Luchino Visconti, espe­cialmente de seu longa “Sen­so – A Sedução da Carne”.

“Quando hoje revejo Ve­neza, tenho a impressão de que todos os personagens já estavam mortos, era apenas a recordação de uma fatia da história. São muitas camadas, o que me deixa orgulhoso desse trabalho e me dá mais certeza de que vai ganhar re­conhecimento com o tempo.”

Trilha sonora
Após sucessos recentes como “Rainha da Favela” e “Deixa de Onda”, a cantora Ludmilla aceitou o convite de Miguel Falabella para cantar em espanhol pela primeira vez na música “Pecado”. A regravação do clássico bo­lero de Andres Carlos Bahr (1902-1984), Enrique Fran­cini (1916-1978) e Armando Francisco Punturero (1917- 1983) foi produzida especial­mente para a trilha sonora do filme “Veneza”. Dira Paes e Eduardo Moscovis, prota­gonistas do filme, assumem a direção do videoclipe, gra­vado antes da pandemia, que mescla cenas da produção com as da cantora no estúdio.

Os projetos de Falabella
Miguel Falabella divide-se em outros projetos. Como o da criação da série “O Coro” para a Disney+, sobre jovens talentos que buscam o estre­lato no teatro musical. Serão nove protagonistas e o elenco já conta com nomes do quilate de Sara Sarres, Guilherme Magon e Daniel Rangel.

“Quero homenagear a música brasileira e cada episódio será dedica­do a temas como Jovem Guarda, festivais da canção, rock dos anos 1980, sertanejo.” O início das gravações está previsto para agosto. Na agenda do ator/roteirista, há ainda brecha para cuidar da adap­tação de sua peça “O Som e a Sílaba”, que montou com Alessandra Maestrini, em outro projeto para a Disney+.

Alcione
Paralelamente, Falabella busca os últimos detalhes para finalizar “Marrom – O Musical”, espetáculo produzido por Jô Santana sobre a vida da sambista Alcione. Já foram várias conversas para ajudar no roteiro, em viagens para o Maranhão. “Alcione é fascinante, mas tam­bém não é fácil – alguns detalhes ela não deixa escapar”, diverte-se Falabella, referindo-se aos amores da cantora.

Na agenda do ator/roteirista, há ainda brecha para cuidar da adapta­ção de sua peça “O Som e a Sílaba”, que ele escreveu especialmente para Alessandra Maestrini e Mirna Rubim, cantoras-atrizes com registro lírico, em 2017. Será outro projeto para a Disney+, que a transformará em uma série de 10 episódios.

Infantil
O gosto por desvendar os mistérios do idioma também o convenceram a fazer a tradução de “As Travessuras de Pedro Coelho” (Ciranda Cultural), clássico infantil da inglesa Beatrix Potter, cuja trajetória inspirou o filme “Miss Potter”. Embora o texto seja direcionado para crianças, a autora criou diversas armadilhas linguísticas.

“Foi trabalhoso porque ela brinca com a língua em seu universo infantil – há rimas internas e um ritmo muito particular”, explica Falabella que, atualmente, se ocupa de mais um projeto, intitulado Querido Mundo e do qual apenas diz ser um “passeio nos gêneros”. Para ele, o tempo não tem limites.

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