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Vendaval que devastou Ribeirão completa 30 anos 

Com ventos acima de 100 km/h e chuva de granizo, mais de 5 mil imóveis atingidos, 60% da cidade sem energia e 600 pessoas desabrigadas   

Os danos atingiram mais de 5 mil imóveis na cidade (Reprodução)

Por Adalberto Luque 

Noite de sábado, 14 de maio de 1994. Valéria Cristina Bernardo, então com 13 anos, estava no carro da família. Tinha ido com os pais buscar a irmã em uma festa de aniversário na Avenida do Café. Na volta, quando passavam na Rotatória Amin Calil, veio uma tempestade muito forte. A região ficou às escuras. Acabou a energia na rua e nos imóveis. 

O pai de Valéria parou o carro esperando a chuva passar. “Foi bem assustador. Nunca tinha visto isso antes na vida. De repente, o muro caiu, pela força do vento”, lembra a hoje professora Valéria. 

O muro era de uma empresa que comercializava materiais para construção. Tinha cerca de 10 metros de altura e soterrou o carro da família. Todos desmaiaram. Um carro atrás também foi atingido, mas parcialmente. 

Valéria passou a comemorar dois aniversários: a data do seu nascimento e o dia em que foi resgatada dos escombros após o vendaval (Foto: Arquivo Pessoal)

Assim que a situação se acalmou, o motorista percebeu a luz de um veículo totalmente coberto pelos escombros. Pediu ajuda e começou a retirar as pedras. O carro havia sido esmagado. 

“Comecei a retomar a consciência quando estava sendo resgatada. O carro deu perda total, fomos comprimidos nas ferragens”, recorda. Com a chuva e o granizo, o ribeirão Preto transbordou. Além disso, sem energia, não foi possível acionar Corpo de Bombeiros, Polícia Militar ou ambulâncias.

Um muro alto caiu sobre o carro onde estavam Valéria e sua família, soterrando a todos (Foto: Arquivo Pessoal)

Pessoas que ajudaram no resgate levaram a família para hospital. “A gente foi com algumas pessoas para o hospital. Fui num carro diferente do da minha mãe. O hospital que a gente tinha convênio estava todo apagado e o que estava em condições de atender os feridos era o HC [Hospital das Clínicas – Unidade de Emergência]”, revela Valéria. 

Seu pai sofreu ferimentos mais graves. Fraturou seis costelas e teve traumatismo craniano, além de escoriações por todo o corpo. Ficou vários dias internados. Valéria também ficou internada, mas se recuperou do braço fraturado, do trauma na cabeça e dos vários cortes sofridos durante o soterramento. “Costumo dizer que tenho duas datas de aniversário, a do meu nascimento e a do dia do vendaval, quando nasci de novo”, brinca. 

A tragédia 

O temporal que devastou Ribeirão Preto na noite de 14 de maio de 1994 foi um fenômeno climático muito raro e extremamente violento. Uma frente fria veio na direção da cidade e chocou-se com uma massa de ar quente. Com temperaturas apresentando diferenças acima de 20 graus, formaram-se nuvens carregadas, que circulavam em grandes velocidades.  

Vários tornados foram criados, formando correntes de vento com mais de 100 km/h. Além da força do vento, uma forte chuva de granizo caiu sobre a área urbana. A tempestade começou por volta das 23h40 e durou menos de 10 minutos. Tempo suficiente para causar três mortes, deixar 132 feridos e mais de 600 pessoas desabrigadas. 

Destroços eram vistos em boa parte da cidade. Pelo menos 60% do município ficou sem o fornecimento de energia elétrica e água. Mais de 5 mil imóveis residenciais e comerciais foram atingidos pelo rastro de destruição. O prejuízo, estimado à época, foi de US$ 6 milhões.

Mais de 5 mil imóveis na cidade foram atingidos (Foto: Reprodução) 

Entre os mortos, uma mulher de 77 anos, soterrada por uma parede da casa onde vivia, na região dos Campos Elíseos e uma mulher de 32 anos com seu filho de 12, que moravam em uma comunidade na zona Norte de Ribeirão Preto. 

O rastro de devastação foi mais intenso nas zonas Norte, Centro e Oeste, embora também tenham registros nas zonas Sul e Leste. Atingiu indistintamente todas as camadas sociais, mas os moradores de favelas foram os que mais sofreram. 

O então prefeito, Antônio Palocci Filho, decretou Estado de Calamidade Pública. O então governador Luiz Antônio Fleury Filho veio a Ribeirão Preto no dia seguinte ao vendaval, um domingo, e fez um sobrevoo da cidade em ruínas. De imediato, liberou US$ 1 milhão em caráter emergencial. 

Saque e escombros 

O comprador Paulo Henrique Porphirio estava em casa com os pais. Morando nos Campos Elíseos, eles sentiram muito medo com a força do vento e a chuva de granizo. Mas a casa da família ficou ilesa.  

Quando achavam que estava tudo seguro, apesar da falta de energia, receberam um telefonema. O pai de Porphirio tinha, há muitos anos, uma banca de jornais e revistas em uma praça da Avenida Costa e Silva, em frente à antiga fábrica da Cianê.

A banca de jornais e revistas do pai de Porphirio começou a ser saqueada após o temporal (Foto: Arquivo Pessoal)

“Meu pai tinha a banca do Zico. Após o temporal, na mesma noite, ligaram os moradores que moravam lá perto e tinham nosso contato. Disseram que o temporal tinha atingido a banca e tinha duas pessoas furtando revistas e refrigerantes. Mas o prejuízo não foi muito pois os vizinhos viram e impediram que fossem levar tudo. Levamos tudo para casa, com a ajuda dos vizinhos. Só no outro dia fomos ver o que aconteceu em nossa rua”, lembra Porphirio. 

Nas ruas, havia muitos escombros. Várias coberturas de postos de combustíveis na cidade foram arrancadas com a força do vento. Placas de outdoor também não resistiram. Árvores caíram, galhos se espalharam. Calhas e rufos das casas foram parar nos fios de energia elétrica. 

Boa parte das ruas dos Campos Elíseos ficou quase um dia inteiro sem energia elétrica. O abastecimento no local também demorou alguns dias até ser totalmente restabelecido. Nas ruas era comum ver vazamentos de água, além de restos de vidro, ferro retorcido, galhos e muita sujeira.  

Trafegar era tarefa difícil. Com a falta de energia, os semáforos ficaram desligados. Soldados do exército ajudaram a auxiliar o trânsito até que tudo fosse gradativamente normalizado. A natureza, que foi bastante castigada com as pedras de granizo, continuou sofrendo com o acúmulo de gelo. Em alguns bairros, camadas com até 40 centímetros de gelo formado pelo granizo. 

Água pela lâmpada e andorinhas 

A contadora Fernanda Aparecida da Cruz Merchi, tinha apenas 12 anos quanto tudo aconteceu. Lembra que a rua ficou toda suja de barro e, no dia seguinte à tempestade, não tinha água sequer para lavar a casa. 

Sua família dormia quando tudo começou. “Acordamos e a estava chovendo dentro de casa, através das lâmpadas. A casa ficou cheia de terra, e acabou a energia. E no outro dia também não tinha água. A cidade ficou muito suja, muitas casas destelhadas”, acrescenta Fernanda. 

Com apenas 12 anos, Fernanda teve a casa tomada por água barrenta que desceu pelas lâmpadas (Foto: Arquivo Pessoal)

Uma imagem que chocou muita gente foi registrada próximo ao Terminal Rodoviário de Ribeirão Preto, na região da Baixada. Nas praças próximas, milhares de andorinhas morreram por conta da tempestade. 

Uma das regiões em que as andorinhas costumavam ficar durante seu voo de volta para casa era justamente próximo ao terminal. Com os ventos fortes e o granizo, muitas delas foram atingidas e, desorientadas, acabaram caindo e morrendo no chão da praça e ruas da região. Mortas aos milhares. 

Rádio CMN e Wilson Toni 

Radialista, jornalista e político, José Wilson Toni foi um dos principais responsáveis no processo de reorganização e reconstrução da cidade. À época, Toni estava à frente da Rádio CMN (Central Mogiana de Notícias), 750 MHz, uma recém-criada emissora. 

A exemplo de todas as emissoras de rádio e televisão de Ribeirão Preto, a CMN também ficou inoperante logo após a passagem do vendaval. Todas permaneceram pelo menos durante todo o domingo fora do ar, exceto a CMN. Toni tinha um gerador de energia. 

Ao contrário das demais emissoras, com antenas instaladas no Alto do Ipiranga, a antena da CMN estava na Ribeirânia, zona Leste da cidade. E não tinha sido derrubada pelo vento, além de ter energia para retransmitir seu sinal.

Toni levou o gerador para a porta da emissora, na Rua Ramos de Azevedo, no Jardim Paulista, quase na entrada do condomínio Jardim das Pedras. De lá convocou jornalistas, radialistas e toda equipe técnica. Transmitiu ininterruptamente por dias a fio. 

Graças à CMN, a cidade começava a ter ideia da dimensão do estrago causada pela tempestade. André Luís Rezende e Marcos Brambilla foram dois destes jornalistas que trabalharam na heroica e importante cobertura jornalística e até hoje têm isso vivo em suas memórias, como veremos adiante.

Destruição, destroços e muita dor: foram três mortes e 132 feridos (Foto: Reprodução)

Toni, em contato com a Prefeitura de Ribeirão Preto, conseguiu que o Ginásio Gavino Virdes, na Cava do Bosque, fosse preparado para receber os mais de 600 desabrigados. Com sua incansável equipe, coordenou encaminhamentos, doações, alertas, solicitações. Vários bairros permaneceram dias sem água ou energia elétrica e a equipe informava. 

Além de ser a única emissora de rádio e televisão em atividade, a CMN foi o único meio de radiocomunicação de longo alcance a funcionar, já que as antenas da Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, Defesa Civil e ambulâncias estavam sem condições de operar nas horas imediatamente após a tragédia natural. 

Todos os comunicados oficiais da Prefeitura e demais autoridades envolvidas no resgate e encaminhamento de desabrigados, além de informações de utilidade pública à população, passavam obrigatoriamente pelos microfones da CMN. Até que as telecomunicações e o sinal das emissoras de rádio e TV fossem restabelecidos nos dias seguintes, no domingo, a CMN foi soberana, tornando-se alento para a população. 

Sem futebol 

O jornalista e radialista André Luís Rezende seguia a pé, da casa de familiares no Alto do Ipiranga até sua casa na noite de 14 de maio de 1994. No dia seguinte, embarcaria no final da madrugada do domingo em um ônibus que levava as equipes de esporte de todas as emissoras da cidade para a transmissão de mais um jogo do Botafogo pelo Campeonato Paulista.  

André seguiria com os demais em um ônibus até a cidade de Paraguaçu Paulista, onde ocorreria a partida entre o time da casa, Paraguaçuense, e o Botafogo de Ribeirão Preto. A tempestade começou e Rezende voltou rapidamente para a casa dos familiares. 

“Foi aquele barulho, aquela chuva de granizo. Impressionante, nunca tinha visto na vida. Passaram alguns minutos, acabou a energia, a rua apagou. Saí, consegui pegar um ônibus e ir para casa. O Peter, motorista da CMN AM, foi me buscar logo às 5 da manhã e me levou até a Rodoviária. No caminho, comentou que a cidade estava um caos”, recorda Rezende. 

O jornalista André Rezende trabalhou 24 horas ininterruptas na cobertura da tragédia (Foto: Arquivo Pessoal)

No trajeto ele percebeu o tamanho do desastre que castigou a cidade. Próximo à Rodoviária, uma cena chocante. “Milhares de andorinhas mortas, que foram atingidas pelo granizo, ficaram desorientadas no estacionamento da rodoviária de Ribeirão e acabou que as emissoras todas estavam fora do ar. Aí cancelaram a viagem para Paraguaçu Paulista.” 

Recebeu então a convocação de Toni. Para o jovem jornalista, foi um aprendizado enorme. Ele e os demais repórteres percorriam as ruas da cidade, relatando os estragos, fazendo a cobertura completa. Ele se recorda de ter virado 24 horas na transmissão. “Foi exaustivo, mas maravilhoso. Uma experiência extremamente importante. Os colegas de outras emissoras que estavam inoperantes participaram conosco. Foi uma sensação de dever cumprido”, analisa. 

Muro caído e teto da igreja 

A analista administrativa Josélia Joaquim Carvalho estava com o marido e o filho mais velho em casa (o caçula nasceu depois do temporal), na Vila Virgínia, um dos bairros mais atingidos e onde mora até hoje. A cobertura da quadra do Campo da Mogiana foi totalmente arrancada. No local havia uma festa, mas ninguém se feriu gravemente.  

Josélia lembra dos momentos de medo assim que a chuva começou. Na janela do filho, muito barulho. Apesar disso, seu filho não acordou durante o temporal. Depois de minutos que pareciam infinitos com muito barulho e granizo batendo na janela, tudo pareceu mais calmo. Então alguém bateu em sua porta. Era seu pai, veio ver se estavam bem. Depois de tranquilizá-lo, voltaram a dormir.

A casa onde Josélia morava, na Vila Virgínia, ficou vários dias sem luz e água (Foto: Arquivo Pessoal)

No dia seguinte, Josélia e o marido viram o estrago. O muro dos fundos caiu. Havia gelo por todo lado. Um salão de baile, na divisa com os fundos de sua casa, tinha sido destelhado. “O muro dos fundos da minha casa caiu. Aquele barulho na janela do meu filho eram realmente as pedras, o quintal estava cheio de granizo, havia bastante pedras de gelo”, conta. 

O teto da Paróquia Santa Maria Goretti, bem próximo à casa da analista administrativo havia sido arrancado. “Destruiu o forro da Igreja, meu pai foi ajudar, junto com outros vizinhos. Ficamos sem água domingo o dia todo. Sem energia ficamos mais de uma semana. A gente acendia vela, porque demorou muito para arrumar os postes, para voltar a energia. Foi tudo um transtorno”, lamenta Josélia. 

Um caos 

O jornalista Marcos Brambilla aproveitou a folga no sábado e viajou para Porto Ferreira. Ele também trabalhava na CMN e recebeu o pedido de Wilson Toni para que voltasse logo cedo no domingo, para integrar a equipe na cobertura. 

Brambilla não tinha visto o que ocorreu em Ribeirão Preto, mas assim que pisou na cidade, percebeu que a situação era crítica. “Foi um grande choque a forma como encontrei a cidade. Na verdade, a cidade toda estava sem energia elétrica. Foi um caos total naquele final de semana. A cidade toda sem energia elétrica, sem comunicação nenhuma. Foi a partir daí que a Rádio CMN começou a fazer um trabalho de utilidade pública, um trabalho importantíssimo, porque era a única emissora que estava no ar”, explica Brambilla. 

O jornalista é outro que se recorda do impacto que sofreu com a imagem de milhares de andorinhas mortas. Ele e seus colegas viram muita destruição na cidade. Para ele, foi um milagre a tragédia ter ocasionado apenas três mortes. O cenário era de muita destruição.

Brambilla ficou chocado quando chegou à cidade para trabalhar na cobertura jornalística (Foto: Arquivo Pessoal)

 

“Um desastre ambiental muito grande. O chão estava forrado de andorinhas mortas, que foram atingidas nas árvores. As árvores ficaram peladas, as folhas caíram todas. Eram milhares mortas no chão. Muita gente perdeu móveis, perdeu tudo”, lamenta. 

Além de trabalhar por horas ininterruptamente, Brambilla continuou cobrindo a reconstrução da cidade. Boa parte ficou sem energia, sem água, sem semáforos e com muitos destroços espalhados pela rua por vários dias.

Mais de 600 pessoas ficaram desabrigadas (Foto: Reprodução)

Naquele momento, ficava difícil, a princípio, imaginar que a cidade conseguiria se reerguer. Mas Ribeirão renasceu nos escombros. Foi capaz de unir jornalistas de diferentes emissoras em torno da única que resistiu ao desastre natural. E, como sempre, despertou a solidariedade e união. 

Aos poucos, voltou a crescer. Hoje praticamente não há nada que lembre o cenário da época. Apenas as histórias, presentes na memória de quem viveu aquele momento. Entre tantas situações trágicas, uma feliz constatação: “trabalhei o tempo todo com um fusquinha azul, que aguentou muito bem o tranco”, conclui André Rezende. 

 

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