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Irmã Dulce será canonizada hoje

Em 7 de julho de 1980, quando o papa João Paulo II (1920-2005) visitava o Brasil pela primeira vez, ele celebrava uma missa campal em Salva­dor (BA) e chamou Irmã Dulce para o altar. Abençoou-a, deu a ela um terço e disse: “Continue, Irmã Dulce, continue”. Então com 66 anos, a freira baiana já apresentava a saúde debilitada.

Suas obras continuaram. Persistente – para muitos, tei­mosa –, hábil em aproveitar as oportunidades e obstinada, a freira soube manter boas re­lações com políticos e empre­sários para que seus trabalhos assistenciais fossem mantidos e só ampliassem. Em outubro de 1991, durante nova visita ao Brasil, João Paulo II foi visitar a freira no Convento Santo Antô­nio, onde ela já estava acamada – morreria em 13 de março de 1992, aos 77 anos.

Vinte e sete anos depois de sua morte, neste domingo, 13 de outubro, ela se torna oficial­mente santa, em missa celebrada pelo papa Francisco, no Vatica­no, durante o Sínodo dos Bispos. Será a 37ª santa brasileira. Com a canonização de Irmã Dulce e outros quatro santos, o pontífi­ce atinge a marca de 892 cano­nizações em seu pontificado. A celebração deve contar com 30 bispos que vão especificamente para o evento, além de 58 brasi­leiros que participam do sínodo.

Na história contemporânea da Igreja Católica, pelos trâmi­tes de canonização vigentes, é o terceiro caso mais rápido de canonização – o próprio João Paulo II tornou-se santo nove anos após a morte; Madre Te­resa de Calcutá (1910-1997), 19 anos depois. “Houve um traba­lho sempre contínuo, garantin­do o belo resultado em pouco tempo”, avalia o padre Roberto Lopes, delegado Arquiepiscopal da Causa dos Santos do Rio de Janeiro e atualmente trabalhan­do em Roma.

Lopes comenta que “um processo contemporâneo é sem­pre mais fácil”. “A possibilidade de encontrar as testemunhas, montar o memorial, a docu­mentação abundante bem or­ganizada, tudo facilita”, pontua. “O testemunho de Irmã Dulce e seu legado é visível. O número de pessoas carentes atendidas no ambulatório (criado por ela) é plausível, admirado por todos.”

“Lembrando que o hoje san­to João Paulo II, reconhecendo sua santidade, esteve com ela duas vezes. Outra santa recente, Madre Teresa de Calcutá, tam­bém esteve com ela”, cita padre Lopes. O trabalho de canoniza­ção, contudo, um rigoroso pro­cesso conduzido pelo Vaticano, depende de um fator impor­tante: divulgação bem-feita. “A associação fundada pela Irmã Dulce fez um belo trabalho de divulgação, atendendo e envian­do material”, acrescenta ele.

Padre José Ferreira Filho, da Arquidiocese de São Paulo, lem­bra que, pelas regras da Congre­gação para a Causas dos Santos, um processo de canonização só pode ser aberto cinco anos após a morte do candidato. “No caso dela, já fazia oito anos, quando o processo começou, em 2000”, afirma. “Intrinsecamente à pes­soa de Irmã Dulce, ela demons­trava uma santidade transbor­dante, fosse no falar, fosse no agir.” “Sua história de vida con­quistou minha devoção pessoal”, declara ao Estado o historiador e teólogo italiano Paolo Vilotta, postulador da causa da religiosa brasileira junto ao Vaticano.

A comitiva que representa­rá o governo brasileiro na ceri­mônia de canonização de Irmã Dulce na Santa Sé, na Itália, será capitaneada pelo vice-presiden­te Hamilton Mourão e terá os chefes do Legislativo e do Judi­ciário e 19 parlamentares. Os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), da Câ­mara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, além do ministro da Saúde, Luiz Henrique Man­detta, integram o grupo que via­jou na quinta-feira. A volta está prevista para o início da próxi­ma semana.

Biografia
Nascida em 26 de maio de 1914 em Salvador (BA), a reli­giosa foi batizada Maria Rita de Sousa Brito Lopes Pontes. Era fi­lha de um dentista e professor da Universidade Federal da Bahia, Augusto, e uma dona de casa, Dulce. Perdeu a mãe aos 7 anos e, por isso, decidiu homenageá­-la, adotando seu nome na vida religiosa, aos 19 anos – quando ingressou na Congregação das Irmãs Missionárias da Imacula­da Conceição da Mãe de Deus.

Sua vocação para ajudar os mais necessitados se tornou pública na adolescência. Aos 13 anos, ela começou a acolher do­entes e moradores de rua em sua casa. O centro de atendimen­to informal acabou conhecido como “a portaria de São Fran­cisco”. Logo depois de assumir o hábito, tornou-se professora de uma escola mantida por sua congregação. Por formação, Dulce era normalista, oficial de farmácia e auxiliar de serviço social. Deu aulas principalmente de geografia e história.

Criou um movimento ope­rário cristão e, um pouco mais tarde, fundou a organização que existe até hoje, com destaque para o atendimento a doentes. Irmã Dulce também gostava de artes, principalmente música. Em 1948 fundou o Cine Tea­tro Roma, palco de shows de grandes nomes da MPB, como Roberto Carlos e Raul Seixas. A religiosa ainda criaria dois cine­mas em Salvador.

Ainda em vida, recebeu o apelido de “o anjo bom da Bahia”. “Miséria é a falta de amor entre os homens”, dizia a freira. Em 1988, ela foi indi­cada ao Prêmio Nobel da Paz. “O amor supera todos os obs­táculos, todos os sacrifícios. Por mais que fizermos, tudo é pouco diante do que Deus faz por nós”, é outra de suas frases famosas. Seus últimos 30 anos de vida foram especialmente difíceis por conta de um enfi­sema pulmonar, que reduziu sua capacidade respiratória em 70%. Irmã Dulce chegou a pe­sar apenas 38 quilos.

Os santos brasileiros: de Madre Paulina à irmã Dulce
Apesar de ser considerado o país de maior popu­lação católica do mundo, o Brasil demorou a ganhar santos para chamar de seu. A primeira personalidade a ser considerada uma santa brasileira foi Amabile Lu­cia Visintainer (1865-1942), a religiosa Madre Paulina, canonizada por João Paulo II em 19 de maio de 2002. Nascida na Itália, a freira passou a maior parte da vida no Brasil – atuou em Santa Catarina e em São Paulo, onde morreu no bairro do Ipiranga. Antes, pelas mãos do mesmo papa João Paulo II, três missionários jesuí­tas ligados ao Paraguai mortos em terras brasileiras já haviam sido canonizados.

O paraguaio Roque Gonzáles de Santa Cruz (1576-1628), o espanhol Afonso Rodrigues (1598-1628) e o também espanhol Juan de Castillo (1595-1628) ficaram conhecidos como os “mártires do Rio Grande do Sul”. O primeiro santo brasileiro nascido no Brasil seria reconhecido ape­nas em 2007, em missa celebrada pelo papa Bento XVI em São Paulo. O frade franciscano Antônio de Sant’Anna Galvão (1739-1822), mais conhecido como Frei Galvão, é famoso entre os fiéis pelos relatos de curas milagrosas. Um dos fundadores da vila que daria origem à cidade de São Paulo, o jesuíta espanhol José de Anchieta (1534-1597) foi declarado santo em 2014, pelo papa Francisco.

No ano seguinte, acabaria reconhecido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) como um dos padroeiros do País. Em 15 de outubro de 2017, papa Francisco elevou a lista. Em uma prática relativamente comum de seu pontificado, as canonizações coletivas de grupos, tornou santos, de uma só vez, outros 30 personagens brasileiros: os “mártires de Cunhaú e Uruaçu”, vítimas de dois morticínios realizados em 1645 durante as inva­sões holandesas ao Brasil. Irmã Dulce será, neste domingo, a 37ª personalidade brasileira reconhecida como santa pela Igreja. Excetuando-se a canoniza­ção coletiva dos mártires de Cunhaú e Uruaçu, será a segunda santa brasileira nascida no Brasil.


A canonização de Irmã Dulce
O processo de canonização de Irmã Dulce foi iniciado em janeiro de 2000. Na ocasião, seus restos mortais que estavam na Igreja da Conceição da Praia, em Salvador, foram transferidos para a Capela do Convento Santo Antônio, na sede das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), na mesma cidade.

Em abril de 2009, o papa Ben­to XVI reconheceu suas virtudes heroicas. Irmã Dulce passou a ser considerada então venerável. Em outubro de 2010, a Congregação para a Causas dos Santos atestou a autenticidade do primeiro milagre atribuído à religiosa – orações para ela, em 2001, teriam interrompido hemorragia de 18 horas de uma parturiente, em Ser­gipe. Em 22 de maio de 2011, Irmã Dulce foi beatificada em missa presidida pelo cardeal dom Geral­do Majella Agnelo, em Salvador.

Neste ano de 2019, veio o reconhecimento do segundo milagre: a cura de uma ceguei­ra causada por glaucoma, em 2014. Em 14 de maio, papa Francisco anunciou que Irmã Dulce seria canonizada: Santa Dulce dos Pobres será oficializa­da, então, a 37ª santa brasileira.

Desde então, o número de visitantes do memorial dedicado a ela, em Salvador, quintuplicou. São 15 mil pessoas por mês que vão até lá. “A partir da sua canonização será mais fácil explicar a todos que a santidade não é um privilégio de poucos ou de pessoas especiais, mas está ao alcance de todos – e que é obrigação de todos buscar a

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