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Ushuaia – Pássaros e pedradas

Há anos atrás, estava conversando com o Professor Ricardo Gui­bourg, logo após presenciar uma de suas magníficas aulas de Lógica Jurídica. Falávamos então de nossas viagens pelos cantos conhecidos e desconhecidos desse mundo velho e sem porteira.

O professor então se referiu ao glacial de Perito Moreno e à cidade de Ushuaia, localizados no sul da Argentina. Ou melhor, no sul do mundo.

Perito Moreno é um glacial que se derrama dos Andes para as águas do Oceano Atlântico. Num pequeno barco saímos em sua direção, contornando pelotas e lascas de gelo que boiavam viajando para as águas atlânticas. Eram azuis as pelotas de gelo.

Os tripulantes avisavam aos poucos passageiros que ninguém podia cair na água que se encontrava a muitos graus abaixo de zero. Caiu na água, morreu. Afirmavam. As águas não congelam dada a enorme quantidade de sal ali encontrada. As pelotas de gelo azula­das navegavam pacienciosamente para o Atlântico, sem ameaçar os poucos barcos que passavam em sentido contrário.

Chegamos a Perito Moreno. Alcançamos uma parede de gelo montanhosa. Viagem inesquecível. Alguém acrescentou que a ge­leira era mais antiga do que Cristo. Perito Moreno foi eleito a oitava maravilha do mundo. Penso voltar a Perito Moreno, cortando o sul da Patagônia, para aprender que, por mais que o homem se ponha a andar, não consegue descobrir onde fica o fim ou o início deste nosso mundo, sem eira e nem porteira. Será?

Dali passamos para a última cidade do mundo Ushuaia. A região é cortada pelo Canal de Beagle, nome do cachorro do cientista britânico Charles Darwin que por ali passou a estudar a evolução da espécie humana. O Canal de Beagle liga o Atlântico com o Pacífico.

Ushuaia está na região antigamente denominada Terra do Fogo, portanto, território argentino bem próximo do chileno. No norte da terra fica o seu capote denominado oceano Ártico. No sul do mundo existe outro que é o anti-Ártico, ou seja, o Antártico, hoje rebatizado com o nome de Antártida.

No passado ali ficava a mais tenebrosa prisão argentina, onde permaneceram prisioneiros políticos e criminosos comuns. Até mes­mo crianças ali permaneceram presas.

Os homens e as crianças hoje convivem com os leões marítimos e os pinguins. Mas convivem também com pequenos rios cercados por casto­res, que, segundo os moradores, estão ali violando a natureza.Os castores não são naturais daquela região vieram do norte para desestabilizar a área. Os visitantes ficam estarrecidos com o panorama construído pela Cordilheira dos Andes encostando-se ao Oceano Atlântico.

Fiz amizade com um morador do local, com o nome de Mingo. As linhas de suas feições indicavam seus antecedentes que por ali viveram séculos antes dos primeiros brancos.

Com a característica da sabedoria recebida de necessária e inten­sa meditação, Mingo era um sábio que nos levou a ver e a entender o mundo do fim do mundo, a Terra do Fogo.

Antes de retornar para nossa casa, pedimos ao Mingo que nos desse uma frase que pudesse ser levada ao Brasil, talvez ao mundo, como a marca registrada de um homem e seu povo que viveram construindo suas relações em busca da paz. Mingo sentenciou formulando uma frase que contém elementos para abrir caminhos para os tempos bélicos e desumanos em que hoje espantosamente vivemos. Eis a sentença de Mingo:

“Se os homens parassem de atirar pedras eu gostaria de ser pássaro. Mas se os homens parassem de atirar pedras, eu gostaria de ser homem”.

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