Tribuna Ribeirão
Geral

Uma vida destinada à música

JF. PIMENTA/ ESPECIAL PARA O TRIBUNA

Antes mesmo de saber ler e escrever, o menino Rubens Russomanno Ric­ciardi, então com 5 anos, já lia partituras musicais. Estava no DNA, o avô e o tio eram músicos. Rubens, hoje aos 55 anos, tem uma carreira respeitada. É professor da USP – Universidade de São Paulo há vinte anos. Foi um dos responsáveis pela instalação do Departamento de Música em Ribeirão Preto e da USP-Filarmôni­ca, da qual é maestro. Ele atendeu o Tri­buna e falou sobre sua formação, futebol e política, temas pelos quais se mostrou interessado e apaixonado.

Ribeirão-pretano, Rubens Ricciar­di passou a infância nos Campos Elí­seos. Aos 15 anos, quando frequenta­va o Colégio Otoniel Mota, era aluno especial da USP e tinha como profes­sor Olivier Toni, que se tornou um de seus mentores. Anos depois, fez ECA – Escola de Comunicação e Artes da mesma universidade, em São Paulo.

Desenvolveu a dissertação de mes­trado na Alemanha Oriental, mas a de­fendeu na USP, por conta da queda do muro de Berlim e as consequências po­líticas que isso provocou. Posteriormen­te fez doutorado. É fundador do Curso de Música pela USP em Ribeirão Preto. Fundou também a USP-Filarmônica.

Rubens diz que teve forte influên­cia do avô Edmundo Russomanno, que morreu um ano antes dele nascer. Ouvia da avó Aurora as histórias do casal. “Minha avó tocava bandolim e meu avô clarineta. Eles acompanha­vam meu bisavô, Lúcio Cunha, que tocava trilha sonora em cinemas. Na­quela época era cinema mudo e eles faziam os arranjos”, conta.

As partituras musicais do avô lhe foram apresentadas desde cedo, o que despertou sua maior paixão: a compo­sição musical. Rubens lia as notas antes mesmo de ser alfabetizado. Teve aulas de piano com a tia, Clara Russoman­no, e ainda criança compôs a primeira música. “Comecei a estudar piano com cinco anos. Minha primeira composi­ção coral sinfônica, aos 11 anos, foi uma Ave Maria em latim. A mesma Ave Ma­ria que meu avô compôs para o casa­mento dos meus pais”, conta.

Família com história musical
Rubens ressalta que a família sempre teve laços musicais. O avô Edmundo foi responsável por duas composições que fizeram muito sucesso no início do sé­culo passado. Dois sambas: o “Samba do Criolo” e “Orfão” que foram execu­tados por bandas em todo o Brasil.

Edmundo Russomanno por sinal foi o sócio numero dois e um dos fun­dadores da Associação Musical. Ape­sar da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto existir desde 1923, foi a partir da Associação que ela se organizou e tor­nou-se o que é hoje. Além de presidir a Associação, Edmundo foi maestro da Orquestra. O pai de Rubens, Sylvio Ricciardi, também participou ocupan­do cargos na tesouraria, administração e publicidade da entidade.

Amor pelo Comercial FC e Hino do Leão do Norte
“Minha família só tem gente com boa sanidade mensal”, brinca Rubens ao ser indagado sobre outra paixão, o Comercial FC. A origem desse amor também vem do passa­do. O pai Sylvio e o avô Edmundo foram diretores do Leão do Norte.

O avô até que tentou uma home­nagem maior. “Em 1954 quando re­organizaram o Comercial, meu avô quis fazer um hino para o Comer­cial, o Salve, Salve Leão do Norte. Mas o time já tinha uma obra-prima do Belmácio Pousa Godinho”, diz.

“Eu digo que há uma trilogia: no século 18 tivemos A Marselhesa (hino nacional da França), obra que influenciou Beethoven. No século 19, a Internacional Socialista, um grande hino em outro momento político.

No século 20 os hinos políticos fica­ram fascistas, contudo no Brasil desenvol­veu essa tradição que é o hino de futebol. E o mais belo e importante, ao lado de A Marselhesa e da Internacional, é o hino do Comercial FC, que forma a trilogia dos três grandes hinos da humanidade”, fala com muito bom humor.

Musica para Salve o Corinthians
“Meu avô na sua humildade se conten­tou em compor o hino de um time menor, não sei se você conhece, chama Sport Corin­thians Paulista”, brinca Rubens.

Ele conta que o Corinthians tinha um hino, mas um samba, que era para ser uma homenagem a uma conquis­ta em 1950, se tornou a música que representa até hoje o time, uma das maiores torcidas do mundo.

“Meu tio Adelino Ricciardi, foi um jornalista importante em São Paulo. Foi chefe de gabinete do governador Adhemar de Barros. Ele teve um jornal em Sertãozinho, muito importante O Monitor e teve O Dia, outro importante jornal. Mas ele era editor da Revista Co­rinthians. E na época bolou a manchete ‘O Campeão dos Campeões’”.

Junto com o radialista Lauro D’ Avila, Adelino resolveu fazer um sambinha. “Mas nenhum era músi­co e chamaram meu avô para fazer a música. Meu avô fez a estrutura musical. O sambinha eles venderam pra uma gravadora. Na época não colocaram o nome dele (Edmun­do), o que era comum. Por exemplo, todos falam das letras do Adoniram Barbosa, mas quem fazia as músicas era um músico da banda”, explica. Rubens diz que, apesar de não cons­tar, a música de Edmundo Russo­manno é reconhecida.

Compor, a grande felicidade… liberdade
Ao comentar sobre o processo de composição das músicas, Rubens Ric­ciardi ressalta que o processo é algo vocacional. “Ele acontece totalmente desligado e longe de tudo. Preciso de paz, Componho na madrugada e não posso parar. Demoro uma hora pra en­trar e quando entro não paro”, revela. “É o momento de grande felicidade. Minha maior felicidade. Fico 12, 13 horas. É um momento de maior condição de liberda­de, porque ali não dependo de ninguém”.

Atualmente trabalha em uma ópe­ra. Tem como inspiração e referência um conto de Petrônio, poeta romano. Rubens diz que o processo inventivo – não aprova o termo criativo –, apa­rece para o artista por vários meios, como literatura, quadro, etc…

Sobre seus trabalhos, diz que dá muita importância para escritura musical. “Não só as notas e suas du­rações, mas as dinâmicas e atmosfera. Na ópera o que o cantor está pensan­do, como por exemplo, momento de fúria, carinhoso, fúnebre”, explica.

Também comenta o fato de se tornar maestro e diz que isso foi uma condição natural pelo trabalho de sua vida e que a regência nunca foi um sonho na sua vida. “Toquei piano, acompanhei mui­tos músicos, fiz muito concertos. Isso me deu experiência de como acompa­nhar um colega solista. Sou professor de teoria musical e também componho desde criança”, diz. “Quando eu ajudo meus alunos ou outros colegas, eu fico feliz se ele toca melhor comigo”, finaliza.

 

Crítico político nas redes sociais
Quem acompanha o maestro Rubens Ricciardi pelas redes sociais percebe um tom crítico e questionador nas questões políticas. Rubens diz que, assim como na música, o interesse surgiu quando era criança e via as condições sub-humanas de trabalhadores rurais, os boias-frias em caminhões de pau-de-arara.

“Eu questionava o meu pai. Depois comecei a ler. Sempre me interessei em ler autores que falavam da condição política e do homem na sociedade”, diz.

Depois, mais velho, Rubens vivenciou a política de outra maneira. Estava na República Democrática Alemã, a Ale­manha Oriental, na época do muro de Berlim. “Vi de perto a queda do muro e a transformação na União Soviética”.

As vivências e as leituras fizeram Rubens a ter um posicionamento. “Eu sou dos que pensa no bem coletivo”. Ele identifica um debate anacrônico no atual momento bra­sileiro. “Nosso presidente é uma bomba relógio, quer destruir tudo, ciências, artes, natureza e minorias”.

Dias atrás enviou uma mensagem ao governador maranhense Flávio Dino, do PCdoB. “Para ele acabar com o nome do partido. Não existe mais comunismo em nenhum lugar do mundo. Vi de perto o colapso da União Soviética e a queda do muro. É claro, estatização dos meios de produção não dá certo. Você tem que ter uma economia de mercado, mas ela tem que ser social. Cuba vai virar capitalista e a Coreia do Norte é uma aberração, não tem nada de esquerda”, criticou.

“Meu posicionamento é porque um artista tem que se colocar nessas ques­tões. E qual é a maior prova de amor que o ser humano pode dar? É a luta contra a injustiça”, finaliza

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