Estava eu de bobeira lá no meu apê quando o telefone toca. Era o Berimbau. Tascamos esse apelido nele por ser magro, alto e ter o corpo envergado como o instrumento. Tem mais, Berimbau veio da Bahia. Quando chegou por aqui, revelou o motivo pelo qual teve de se mandar de Salvador, onde tocava na banda de uma famosa cantora. Era percussionista.
Disse que, durante o carnaval, a capital baiana ficava apinhada de meninas assanhadas que davam em cima dos músicos. E eles mandavam ver. Um ano depois, muitas apareciam com pais, irmãos e um bebê nos braços pra tentar descobrir quem era o autor da divina obra. Os músicos ficavam apavorados, muitos eram casados.
Depois de dezenas de exames de DNA, Berimbau, que na época era solteiro, vazou pra Ribeirão Preto. Ele se deu muito bem por aqui trabalhando com seguros, casou e baixou a bola, Certo dia, num evento, eu estava cantando sambas e Berimbau estava na plateia. Pediu pra dar uma canja, adorei e convidei-o pra outros shows. Assim nasceu uma amizade que prezo muito.
Eu, contente com sua ligação, perguntei bem no estilo baiano: “E aí, meu rei, que é que tu manda, meu parça?” Sem perder o tom, ele devolveu: “Buenão, meu brother, tô em cima da terra e debaixo do céu (heheheheh). A parada é a seguinte, parceiro, tô de casa nova, quintal enorme e uma churrasqueira pra gaúcho nenhum botar defeito. Vamos inaugurá-la sabadão”, disse.
E emendou: “Agora vem a melhor parte, Buenão. Um amigo carioca, por causa da nossa maravilhosa água que vem do Aquífero Guarani, montou uma fábrica de chope artesanal show de bola, cuja produção vai toda pra Zona Sul do Rio de Janeiro. Ele vai bancar o som, 100 litros de chope, picanha argentina, aquele rolo de torresmo de panceta que quando se passa a faca ele faz ‘crack’”.
Berimbau estava animado: “Ele vai bancar também o grande mestre dos churrasqueiros, Luizão, saca? Mas, tudo isso com uma condição: que façamos uma roda de samba de responsa. Ele receberá uns amigos da Portela do Rio de Janeiro”, Respondi: “Tô dentro, Berimbau”. Chequei com a galera e todos toparam.
Terreiro do Berimbau lotado, o chope estava tão gostoso que parecia um mel (rsrsr). Foi quando o cervejeiro falou que dois amigos cariocas se estranharam numa pelada que rolou no campo de seu condomínio e não estavam se falando. O samba poderia ser o remédio para que se acertassem, eram justamente dois passistas premiados da Portela, o Capoeira e o Bola Sete.
Mandei ver um samba do portelense Paulinho da Viola, no meio da música dei um breque, chamei os dois passistas pra perto dos músicos e falei: “Capoeira e Bola Sete, um sambista não pode ficar zangado com outro, meus amigos. Vamos lá, se acertem”. A cena que vi guardarei na gaveta da minha memória pra sempre. Os dois se aproximaram, sapatos brancos, calças brancas, camisas azuis, chapéus brancos com fitas azuis, as cores da Portela estavam ali na minha frente.
Então começou a iniciativa de paz. Vejam só o papo, um não queria falar o nome do outro. Capoeira começou: “Seguinte, pessoa, a minha pessoa está muito aborrecida com a sua pessoa.” Bola Sete respondeu: “Mas, a minha pessoa nada fez pra aborrecer a sua pessoa.”
“Fez sim”, vociferou Capoeira. “Ontem, na pelada, a sua pessoa deu uma caneta na minha pessoa.” E Bola Sete: “Qual é o problema, pessoa? Caneta faz parte do jogo.” Capoeira prosseguiu: “Pessoa, caneta faz parte, mas o sorriso tirando uma com a minha pessoa, não”.
Nesse momento, todos nós rachamos de rir. Capoeira e Bola Sete se abraçaram, Valtinho deu o tom no cavaquinho e nós mandamos ver: “… Portela, eu nunca vi coisa mais bela, quando ela pisa a passarela e vai entrando na avenida…” Os dois e suas namoradas deram o maior show de samba no pé no terreiro do Berimbau e a paz voltou a reinar no mundo do samba.
Sexta conto mais.