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Uma nação não é feita apenas para os amigos

O nosso povo aprecia provérbios. Muitos remontam a séculos passados e continuam sendo citados cotidianamente. Embora por vezes com forma ou sentido equivocados, tentam justificar de modo simples, determinados fatos, comportamentos ou circunstâncias. Um deles, apesar de bastante conhecido, traz certa polêmica quanto à autoria: “Aos amigos, tudo e aos inimigos, a lei!”. Dizem que foi escrito por Maquiavel, fundador do pensamento e da ciência política moderna, falecido em 1527, mesmo ano em que nosso país era um simples bebê, já deitado em berço esplendido, que passava a ser chamado de Brasil.

Acompanhando o noticiário político, econômico e policial dos últi­mos tempos, certamente o cidadão mais atento perceberá como os seres humanos são hipócritas e possuem a desfaçatez de tentar interpretar os textos legais à sua conveniência. Não digo dentro do natural embate jurídico processual, mas nos diversos setores da vida em sociedade, onde diariamente se busca uma brecha, uma excludente, um jeitinho.

No futebol, antes do advento do árbitro de vídeo, presenciamos milhares de lances onde partidas foram decididas com gols ilegítimos, impedimentos não marcados, penalidades grotescas ou falhas escanda­losas das equipes de arbitragem. Enquanto os prejudicados lamentavam, os beneficiados celebravam e ainda zombavam do ocorrido. Até que, na partida seguinte, seu time fosse prejudicado.

Então o mesmo torcedor se tornava o mais ardente defensor de medidas para evitar os erros. Conhecemos pessoas que defendem a pena de morte, aumento de penas e a redução da maioridade penal, exceto quanto um filho ou neto se torna o réu por algum delito. Para livrar o querido herdeiro, são capazes de tudo. Existem, ainda, líderes religio­sos que pregam a castidade e possuem filhos bastardos; puritanos que patrocinaram abortos clandestino e moralistas com tetos de cristal que não resistem ao primeiro pedrisco.

Temos assistido pessoas empunhando cartazes contra as cortes de justiça, contra a imprensa e contra todos os que manifestam pensamento diverso. Alguns pedem a voltada ditadura e do estado de exceção e, para piorar, fazem isso invocando o direito de expressão e o de liberdade ga­rantidas apenas no estado democrático de direito. Observamos, também, pessoas semelhantes aos fanáticos torcedores de agremiações esportivas, com bandeiras de cores distintas reproduzindo frases e teorias absurdas e todas pretendem estar certas, especialmente quando o tema é direito.

Grampear ou apreender telefones pode, desde que seja do outro time. Condução coercitiva e abertura injustificada de inquérito pode, desde que não seja com os nossos. Vazamentos e informações privilegiadas, uso desproporcional da força, com outros pode. Para nossos amigos vale habeas corpus preventivo, foro privilegiado e quarta instância. Vale até negociação para cargos públicos, com pessoas de qualificação profissional limitada e caráter e honestidade duvidosos. Os inimigos de ontem, são os amigos de hoje, mas tudo em nome da governabilidade. Ocorre que políti­ca, economia e direito, embora com semelhanças ao futebol, não podem ser tratadas como tal. Não podemos tentar justificar o injustificável. Não dá para fechar os olhos às incoerências, às injustiças e as atrocidades pra­ticadas, mesmo que os protagonistas sejam pessoas do nosso convívio, da nossa família, denominação religiosa ou agremiação política.

Nestes tempos de fake news e guerra de narrativas, é bom lembrar parte pouco divulgada do mais famoso texto do poeta brasileiro Edu­ardo Alves da Costa, que também era graduado em direito: “Olho ao redor e o que vejo e acabo por repetir são mentiras. Mal sabe a criança dizer mãe e a propaganda lhe destrói a consciência. A mim, quase me arrastam pela gola do paletó à porta do templo e me pedem que aguarde até que a Democracia se digne a aparecer no balcão”. Caríssimos, não podemos regredir ou renunciar aos avanços conquistados. Direito, democracia, cidadania, justiça e liberdade não são palavras quaisquer. São princípios basilares de nossa sociedade que não podem ser vili­pendiados. Eles custaram o sacrifício de milhares e garantem o futuro e existência de milhões. O Brasil é de todos nós, pois uma nação não é feita apenas para os amigos.

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