Edwaldo Arantes *
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Em uma noite longa que teima em não passar, daquelas em que as paredes parecem deslocar chegando cada vez mais perto prestes a sufocar, o sono nunca vem, reinando o silêncio do nada, apenas as batidas do coração soam perceptíveis.
Recebi uma mensagem via este estranho meio de comunicação, onde apenas participo pela imposição da minha editora, denominado, “Rede Social”.
Aquele sinal irritante chamando às três horas da madrugada. Ainda adepto do selo, pombo-correio, bilhetes anônimos enviados pelos correios elegantes nas quermesses, do tambor e da fumaça, que vivem apenas nas lembranças.
Era uma notívaga como eu, identificando-se como minha leitora, achei meio intrigante, interessei-me.
Explicou que reside em Vila Rica do Pilar a secular Ouro
Preto, dedica-se ao cargo de acadêmica na Universidade Federal de Ouro Preto, exercendo sua cátedra na cadeira de literatura portuguesa, mas o sonho frustrado sempre foi ser jornalista.
Ao término confessou que ao ler um livro, lembrou-se dos meus textos.
Descreveu um belo e enigmático trecho de uma obra do brilhante escritor, nascido em Vitória de Santo Antão, Pernambuco, tendo como capital, Recife, a Veneza Brasileira, de Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Solano Trindade, Carlos Pena Filho, Antônio Maria e tantos outros.
“Permanece fechada a janela ante a qual ficam as descoradas poltronas de damasco, a mesinha de centro e o sofá com forro de veludo ouro. A outra, aberta, ilumina a longa mesa posta: sobre pequenas toalhas ovais, vermelhas, azuis e verdes, entre a louça e os talheres, dois castiçais, uma garrafa de vinho e o vaso com dálias amarelas. Palavra e corpo, o rosto”… Osman Lins, Avalovara, 1ª Edição, 1973, Editora Melhoramentos.
Agradeci constrangido, não posso nem sonhar sequer ser comparado ao talento do escritor, dramaturgo e professor universitário pernambucano.
Sou apenas “um pobre amador”, um simples e obscuro rapaz nascido nas Minas Gerais tentando tecer palavras que, no fundo, as ignoro.
Sobre a pequena mesa do vazio do meu quarto, duas garrafas do tinto português, uma pela metade, a outra a esperar o vinho que consola e acalma.
Com os braços debruçados, lembrando da leitora, pus-me a pensar sobre minha petulância e coragem em escrever.
O barulho da chuva caindo entre plantas abandonadas, solitárias em um jardim sem dono, balanço a cabeça tentando dissipar os lampejos, imagino seus olhos verdes resplandecendo imóveis, penetrando fundo a minha solidão.
A noite teima em seguir, a chuva intermitente insiste, importa-se pouco ou quase nada comigo, deve ter ocupações mais importantes do que se preocupar com minha vida ou o que sinto. Sou insignificante a ela, bem como, minha trajetória.
Assalta-me a coragem e começo a escrever. Palavras brotam sem que as provoque ou entenda, surgem como os suores ou as cicatrizes da existência.
A caneta gasta procurando deslizar sobre a folha alva, esperando ser regada com a tinta desgastada.
Sem pensar em nada, descrevo um mundo que desconheço, a taça acompanha-me, gosto dela, não incomoda.
Nunca diz pelas manhãs desnecessárias e mal humoradas nas ruas, filas ou elevadores: Bom dia! Como vai o senhor? Será que chove? Quantas horas são? Que calor, poxa vida hein!
Isento-me por educação a obrigação em responder, apenas uma simples deferência e um sorriso disfarçado aos lábios.
Sinto uma brisa ausente afagando, impossibilitada em curar os males da alma. Lembranças incomodam, acordando fatos, momentos e instantes perdidos e confusos na memória.
Parecem existir para explicar e justificar os infortúnios, tropeços, alegrias, tristezas, realizações, desgostos, pelos longos caminhos percorridos.
O passado misturado ao presente, verdades nuas e cruas, não existe remorso ou contentamento, apenas a vida que transcorre calma ou em turbilhão.
Tentamos controlar, mas, como o riacho correndo sem parar, deixando apenas a saudade e esta não parte.
“O amor é um precipício. A gente se joga nele e torce para o chão nunca chegar.” Osman Lins, in, “Lisbela e o Prisioneiro”.
* Agente cultural