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Uma guerra há muito preparada

Circula por aí muita insensatez sobre a guerra na Ucrânia. Quero, de saída, esclarecer que, por princípios, sou contra qualquer guerra. Imaginar a mobili­zação de um aparato militar para matar pessoas é um retrocesso em termos de marco civilizatório. Concordo plenamente com o preceito do direito interna­cional de respeito à soberania dos Estados. Se há divergências entre eles, que sejam resolvidas por negociação e não pelo canhão. Para isso existe diplomacia. Chamo de insensatez, também, a pressa de tomar lado em uma guerra que sabidamente vinha sendo preparada há muito tempo pelos dois lados.

Um dos lúcidos artigos que li sobre essa guerra foi o do sociólogo portu­guês, Boaventura de Souza Santos, intitulado “A guerra na Ucrânia e a deriva da Europa”. Já no primeiro parágrafo, ele saca uma grave denúncia: “Porque não soube tratar das causas de crise da Ucrânia, a Europa está condenada a tratar das suas consequências […] (os líderes europeus) ficarão na história como as lideranças mais medíocres que a Europa teve desde o fim da Segunda Guerra Mundial.” Escrevo este artigo hoje com foco na sábia análise deste pensador, professor da Universi­dade de Coimbra, que tem se destacado no campo do pensamento crítico.

A guerra na Ucrânia vinha sendo preparada há muito tempo, tanto pela Rússia quanto pelos EUA. No caso da Rússia, é visível a acumulação de imensas reservas de ouro nos últimos anos e a prioridade dada à parceria estratégica com a China, principalmente no plano financeiro, buscando fusões bancárias e até a criação de uma nova moeda internacional. Também no plano comercial, pois são enormes as possibilidades de expansão tomando carona com a China. Ao mesmo tempo, a Rússia foi evidenciando suas preocupações com segu­rança, que são legítimas no mundo das superpotências, onde não há bons nem maus. Há interesses estratégicos que devem ser acomodados.

Diante do declínio global que vem se desenhando, os EUA buscam consoli­dar zonas de influência a todo o custo, que garantam facilidades comerciais para as suas empresas e o acesso às matérias primas. Com a sua política de expandir a democracia liberal pelo mundo, não fizeram emergir estados democráticos das sangrentas intervenções no Vietnã, Afeganistão, Iraque, Síria, Líbia. Não foi para promover democracia que incentivaram golpes que depuseram presidentes democraticamente eleitos em Honduras (2009), no Paraguai (2012), no Brasil (2016), na Bolívia (2019), para não falar do próprio golpe na Ucrânia (2014).

É preciso ir a fundo para perceber o que está acontecendo na Ucrânia. A Rússia é provocada a se expandir para depois ser criticada por fazê-lo. A ex­pansão da OTAN para leste, sabotando o acordo com Gorbachev em 1990, foi a peça-chave inicial da provocação. A violação dos acordos de Minsk foi outra peça. A Rússia, a princípio, não apoiou a reivindicação da indepen­dência de Donetsk e Lugansk, depois do golpe de 2014 na Ucrânia. Preferiu fortalecer a autonomia do país vizinho, como está estabelecido nos acordos de Minsk. Estes acordos foram rasgados pela Ucrânia com o apoio dos EUA, não pela Rússia, como bem lembrou Boaventura.

Em relação à Europa, os EUA a querem como parceiro menor. A Europa tem de ser um parceiro confiável, mas não pode esperar reciprocidade. É por isso que a União Europeia, para surpresa dos seus líderes, foi excluída do AUKUS, o tratado de segurança para a região do Índico e do Pacífico entre EUA, Austrália e Inglaterra. A estratégia do parceiro menor exige que se aprofunde a dependência europeia, não só no plano militar (já garantido pela OTAN) mas também no plano econômico, principalmente no plano energético. A dependência energética da Europa em relação à Rússia era algo inaceitável para os EUA.

Com a invasão da Ucrânia e as sanções, tudo acabou como previsto. Foi imediata a valorização das cotações das ações dos grandes complexos dos EUA. Vê-se uma Europa que cai desamparada nas mãos desses complexos que agora ditam os preços a cobrar. A Europa se desestabiliza por não ter líderes à altura do momento. E por fim, lembremos que, em dezembro de 2021, a Assembleia Geral da ONU aprovou, por proposta russa, uma resolução contra a “glorificação do nazismo, neonazismo e outras práticas que promovem racismo, xenofobia e intolerância”. Apenas dois países votaram contra: os EUA e a Ucrânia! Pois é… como escreveria um célebre europeu: “Há mais coisas entre o céu e na terra do que a nossa vã filosofia”.

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