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Um ponto no meio de dois lados

Diante de duas gerações diferentes, meu marido e minha filha, fui desafiada a falar sobre o que eu penso sobre a pandemia e os novos rumos da sociedade. Precisava conduzir a conversa tentando encontrar verdades, ao mesmo tempo, replicando a minha certeza que, nesse momento da história, pode parecer pouca coisa, mas ter qualquer certeza se tornou um luxo.

Eu tenho sim as minhas, fruto de meu olhar observador, do meu sentido aguçado, da minha fé e, nesse caso, mesmo sabendo que o léxico levará o leitor ao entendimento imediato para fé religiosa, ouso usar este termo para identificar a fé que tenho no ser humano. Além disso, construo minhas certezas que podem não es­tar certas, mas preciso delas assim mesmo, das conexões que faço a partir das muitas e muitas leituras que fiz nos livros e que geraram o conhecimento que me habita.

Recorri então a Humberto Maturana, Otto Scharmer, Peter Senge, Hanna Arendt, Ernst Friedrich Schumacher, Yuval Harari sem citar nenhum deles. Juntei tudo, mais sentimento próprio, certezas desejadas, sensibilidade espiritual, maternidade e amor e formulei minha tese. Estamos no centro da história e no futuro, sim teremos futuro, não vamos contar o que aconteceu na terceira pessoa, diferente disso, será uma narrativa recheada de exemplos próprios. Quando os filmes forem feitos, e serão, falarão da gente de hoje.

Trabalho com identidades culturais há muito tempo e nunca tive qualquer dú­vida da importância da cultura na sobrevivência da humanidade. Agora estamos todos a mercê desse novo aprendizado cultural. Estamos sendo obrigados a criar um novo modelo mental de sociedade, a estabelecer novas redes de conversações, mas na mesma proporção que é novo é velho, porque já fizemos isso antes.

Um exemplo: meu marido viveu na época em que os jovens ganhavam dos pais, quando, duas calças jeans por ano. A geração da minha filha, compra, às vezes, essa mesma quantidade a cada três meses. Não vou exagerar que conheço pessoas que compram duas por mês.

Aí lembrei das viagens internacionais que, no passado, eram programadas ao longo de décadas, somente em ocasiões especiais. E fiz isso para dizer que o que está acontecendo hoje, vinha acontecendo em pequenas proporções só não ficávamos sabendo porque eram tratadas como problemas locais e a globalização trouxe para esse tempo a relação revisada de local. O mundo virou uma aldeia. O problema que era só meu é de todo mundo. E, nesse caso, excepcionalmente, ganhou maior relevância porque a peste atingiu o rei. Contra essa danosa doença vinda da sujeira, tem muitos que conseguem se safar sem que ninguém precise ficar sem trabalhar.

Então, temos mesmo que criar um novo modelo mental de sociedade que vai revisitar, com absurda frequência, o passado. Lembram da moda vintage, da retomada do disco vinil, do crescimento do turismo rural? Indo mais longe, das brincadeiras dançantes? É isso. A gente já estava dando sinais de que voltar não parecia tão absurdo assim. Mas essa volta tem um benefício a nosso favor. Quem já não disse: ah se eu soubesse antes o que eu sei agora. Hoje sabemos um pouco de muitos mundos.

As doenças vão continuar surgindo, essa atual, uma nova daqui há alguns anos, ou meses. Ou essa mesma, voltando mais forte. Talvez as máscaras entrem na moda, virem costume, depois uma regra natural. Vamos até aprender combina­-las com as nossas roupas.

Aí, vem a pergunta inevitável: Mas como a economia vai se comportar diante desse novo modelo mental de sociedade, em que vamos todos consumir mais conscientemente? Fique tranquila minha filha, a economia não nos rege, nós rege­mos ela. Alguns vão recuar? Sim, vão. Mas outros vão surgir. Já fizemos isso antes e vamos fazer outra vez. Alguns vão morrer? Vão, essa é a parte mais triste dessa tragédia. Talvez morram os que menos tenham causado tudo isso, infelizmente. Mas só se cria um novo modelo mental, ou uma nova rede de conversação pela emoção, nesse caso, a dor.

Quem já não ouviu a expressão, “muitos só valorizam algo depois que per­dem”. Pois bem, perdemos muitas coisas em busca de ganhar muito mais. O ponto do equilíbrio ainda é o lugar mais seguro para se visitar. Ali, bem na convergência entre a esquerda e a direita da balança, tem uma área plana que deve ser exponen­cialmente alargada. É ali, bem ali, nesse ponto, que está a resposta que procura­mos. Já visitou esse lugar? Outro dia eu conto como ele é.

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