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Um motivo pra compor

Talvez até já tenha contado aqui sobre os causos que hoje escrevo, de como surge o mote para se compor uma música, mas quando escrevo sobre este tema, vou fundo. Vou lá atrás, no tempo do saudoso cantor e compositor Ataulfo Alves, autor de “Ai que saudades da Amélia”, em parceria com Mário Lago.

Aliás, este samba deu o maior sururu porque, na hora da gra­vação, Mário Lago não estava presente e Ataulfo acrescentou três palavras: “Aiai meu Deus”. Quando Mário Lago ficou sabendo, armou o maior barraco com seu parceiro, não admitiu a mudan­ça na obra, dizendo: “Não reconheço essa letra, portanto, não me considere seu parceiro”.

Mas a música, quando tem que acontecer, nada segura e o samba estourou no Brasil todo. A gravadora faturou pra dedéu, botou a maior grana na mão do Ataulfo Alves, que foi levar me­tade pro Mário Lago. Mas que depressa, ele colocou o dinheiro no bolso, passando a régua no acontecido.

A Amélia que inspirou Mário Lago a escrever a letra não era musa dele, não, e sim empregada da também saudosa Aracy de Almeida. É o seguinte, o baterista do Mário Lago era irmão de Aracy, e sempre que ia comer uma feijoada, um filé, ou tomar um café com Mário, exaltava os feitos da moça, dizendo: “Nin­guém faz uma feijoada como Amélia, o filé que a Amélia faz não tem pra ninguém… Veja, Mário, minhas roupas, é a Amélia quem passa”.

E enumerou mais uma infinidade de talentos da homena­geada. Mário Lago, ao ouvir a melodia do samba apresentado a ele por Ataulfo Alves, lembrou-se da Amélia e tascou versos nas virtudes da moça. Ainda sobre Ataulfo Alves, o velho sambista Ciro Monteiro, que também está no subsolo e como ninguém, botou-lhe o apelido de “Coqueiro preto”. Isso porque ele era negro, muito magro e compridão. Se você olhar uma foto de Ataulfo de terno, na certa dará razão a Ciro no ato.

Ataulfo era considerado o sambista mais elegante do pedaço por estar sempre de terno e Ciro dizia que vestido assim ele fica­va mais coqueiro ainda, esticadão. Os direitos do samba mudou a vida de Ataulfo. Além disso, fez muitos shows e grandes canto­res gravaram suas composições, fazendo dele o cara.

Veja essa história que seu filho Ataulfo Júnior contou no programa do Rolando Boldrin. Disse que seu pai morria de sau­dades de Miraí, Minas Gerais, pra quem compôs “Meus tempos de criança”, que muitos chamam de “Professorinha” ou “Meu pequeno Miraí”.

Conta ele que seu pai comprou um carrão e rumaram pra Miraí, a viagem era longa e as estradas de Minas Gerais, pra quem não conhecia, era jogo duro, não existia sinalização, até hoje é complicado. Isso aconteceu comigo. Faz alguns anos, fui cantar em Barbacena (MG) e também sofri pra dedéu. Depois de Alfenas, cheguei num final de rodovia sem saber pra onde seguir e sem ninguém pra dar informação, decidi seguir pra esquerda a após rodar mais de 30 quilômetros, vi a placa avisando “Miraí”. Voltei na hora, gostaria de conhecer, mas, ia me atrasar, sonho em conhecer a cidade.

Voltando ao Júnior, seu pai estava perdido e parou na beira de um laranjal, onde um homem a cavalo lhe ensinou o cami­nho. O menino disse ao pai que tinha muitas laranjas no pé e pediu a ele que apanhasse algumas. O velho compositor o con­formou, dizendo: “Olha, meu filho, ‘laranja madura na beira da estrada, ou está bichada ou tá cheinha de marimbondo’”.

Passado algum tempo, o menino estava assistindo televisão e viu seu pai cantando: “Laranja madura, na beira da estrada, tá bi­chada Zé, ou tem marimbondo no pé”. Aquele papo com o filho foi o pontapé inicial para mais um sucesso de Ataulfo Alves.

Sexta conto mais.

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