Sandro Cunha dos Santos *
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Ícone do samba paulista e cientista respeitado internacionalmente, Paulo Vanzolini se equilibrava entre duas áreas aparentemente opostas. Autor de mais de 70 canções — como os sambas “Ronda”, “Sem compromisso” e “Volta por cima” — e de 150 artigos acadêmicos, alcançou reconhecimento em ambas as atividades, embora se visse antes zoólogo do que compositor. “Bôca da noite”, em parceria com Toquinho, por exemplo, participou do III Festival Internacional da Canção Popular, como O GLOBO publicou em 2 de maio de 1968. Modesto, fazia questão de dizer que a música era apenas um hobby.
Paulo Vanzolini – Não tenho carreira de compositor. Música, para mim, é um hobby. Trabalho 15 horas por dia como zoólogo, adoro minha profissão. Não sei cantar, nem sei a diferença entre o tom maior e o menor.
Folha – Não está sendo modesto?
Vanzolini – Não. Pergunte a qualquer amigo meu. Faço umas músicas porque eles pedem. Não tenho nenhum jeito musical. Outro dia, ouvi o que fizeram com “Ronda” na França. Horroroso… Não tenho originalidade. Faço músicas por amizade.
Paulo era fundamentalmente um zoólogo, fazia questão de deixar isso claro — disse o cineasta Ricardo Dias, ex-aluno de Vanzolini que registrou sua vida no documentário “Um homem de moral”, de 2009. — Música, ele fazia para encher o tempo, exercitar a memória, fazer exercícios linguísticos… Ele era antes de mais nada um cientista.
Compositor bissexto, desafinado assumido, Vanzolini nem por isso deixava de admirar o trabalho de colegas ilustres, como lembra o musicólogo Ricardo Cravo Albin.
— Ele aliava a grandeza de cientista com a simplicidade do compositor popular
— contou. — Seu assunto preferido era falar dos grandes compositores. Quando nos encontrávamos, queria saber sobre seu trabalho, mas ele sempre virava o quadro e me perguntava sobre os depoimentos de Pixinguinha e Ataulfo Alves para o Museu da Imagem e do Som (Albin fundou e dirigiu o MIS entre 1965 e 1971), deixando entrever seu interesse visceral pela música. Foi uma das figuras mais interessantes com quem topei ao longo dos anos, um cronista muito arguto e perspicaz da vida brasileira.
Vanzolini nasceu em 1924, em São Paulo. Formado em Medicina no Brasil e com doutorado pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, foi diretor do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP) e recebeu, em 2008, um prêmio da Fundação Guggenheim, em Nova York, por suas contribuições para o progresso da ciência. Em entrevista à Magazine, em 6 de maio de 2003, Vanzolini falou amplamente sobre seu trabalho no Museu de Zoologia da USP, onde organizou uma das maiores coleções de répteis do mundo e, com o próprio dinheiro, montou uma biblioteca.
Quando os jornalistas perguntavam sobre a sua vida de boemia, sobre ele frequentar a noite e bares, logo ele respondia: Nunca frequentei. O máximo que fazia era ir duas vezes por semana no Jogral (bar em São Paulo de Luis Carlos Paraná), e voltava pra casa. Quem trabalha não pode ser boêmio. Ser boêmio exige dedicação. É uma profissão. Pergunte se Adoniran Barbosa era boêmio.
Ele era?
Vanzolini – Era nada. Ele era um trabalhador. Isso é uma amolação dos repórteres. Eles falam de uma boemia em São Paulo que nunca existiu. Inventam. Você escutar música é boemia?
Mas e a sua fama de boêmio?
Vanzolini – Isso é bobagem, invenção de jornalistas, que são muito simpáticos, gentis, mas vivem falando essas besteiras. E quando reclamo, me chamam de ranheta. Não existe boemia.
Cientista renomado e compositor de primeira linha, Vanzolini é reconhecido como um dos grandes compositores do samba paulista. Salve Paulo Vanzolini, um homem de moral que não fica no chão, nem quer que mulher lhe venha das a mão, reconhece a queda e não desanima, levanta sacode a poeira e da volta por cima.
* Professor e músico do grupo Os Etanóis