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Um fio de pasta e o elo perdido

Estava eu absorto, totalmente entregue aos meus deva­neios, lembranças e lampejos das reminiscências, quando este estridente e estraga sonhos ruído, advindo de uma parafer­nália, que infesta o mundo, chamado de celular, Zap e suas mensagens, quase sempre inoportunas , estampido este que me trouxe de volta ao presente.

Irritado, abri e estava escrito, “estou com vontade de co­mer aquele macarrão com sardinha e vinho”, na realidade um Spaghetti com le sarne e vino.

Confesso que assustei-me com as sombras do distante e longínquo passado, mas, como sempre, pus-me a imaginar a receita um tanto quanto perdida no tempo.

Fiz a lista, a idade já te faz esquecer coisas simples, quan­tos mais ingredientes, rumando ao supermercado: sardi­nes “Gomes da Costa”, campioni, piselli, pomodori pelati, pomodori maturi, manteiga Aviação, cheiro verde, cebolas, manjericão, folhas de louro, formaggio parmigiano e a pasta di grano duro.

Confesso que praticamente não dormi aquela noite, ro­lando na cama tal qual “pau de enchente” , me levantei, devia ser umas 3 horas, tomei um banho, os produtos todos depo­sitados sobre a mesa, iniciei o preparo do molho, pois a pasta apenas na hora.

Senti que o relógio havia parado, congelando o tempo, sendo os segundos, minutos e as horas mais demoradas da minha vivência.

Depois desta agonia, novamente o sinal da mensagem, este sim exaustivamente aguardado, devem existir sinais bons e maus, “estou chegando”, abri a porta, entre ansioso e enver­gonhado a olhei, engraçado, como o passar dos anos fazem bem a certas pessoas, estava com aqueles cabelos um pouco abaixo dos ombros, os olhos verdinhos apertados, um sorriso daqueles contidos e iluminados, na hora me veio a definição que uma mulher chegava ao ápice da juventude madura, onde brotava por todos os movimentos seu charme, cheiro e a revelação da fêmea na acepção da palavra.

Abri o vinho que ela sorvia em lentos goles, vez em quan­do, com um gesto discreto sua língua roçava os lábios, como a aproveitar cada gota do néctar de Baco.

Abri uma segunda garrafa de um tinto seco italiano, coloquei a pasta para cozinhar, a mesa já estava posta com dois pratos, talheres e tudo o mais, simples mas repleto de ternura e carinho.
Com os lábios avermelhados pelo vinho, disse ela: vamos comer no mesmo prato um de frente para o outro, na hora me lembrei de uma cena de um filme que vi com a minha filhota, ainda pititinha, “A Dama e o Vagabundo” em uma Cantina, naquela famosa e eterna cena, onde sobrando apenas um fio do macarrão, com a ponta para cada um, onde eles mastigam aos poucos até se encontrarem em um beijo.

No nosso encontro não houve o beijo, apenas sobrou um fio no prato, ela se levantou e partiu, fiquei olhando aquele fio e notei que ele estava dividido igualmente em dois, senti que a vida também partia sempre, como um efêmero fio de pasta, apenas ficando as lembranças, tal qual a vida retratada em uma gastronomia sem fim, marcando nossos passos e ações, com os ingredientes e temperos, forjados nos atos da existência humana.

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