Na última quinta-feira, a líder quilombola Maria Bernadete Pacífico, conhecida como Mãe Bernadete, foi assassinada dentro do Quilombo Pitanga dos Palmares, localizado no município de Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador. Muitos brasileiros não sabem quem são os quilombolas. Então, vamos lá!
Quilombolas são os atuais habitantes de comunidades negras rurais formadas por descendentes de africanos escravizados. As comunidades quilombolas são espaços da resistência contra a política escravocrata que imperou no Brasil e continua presente proliferando seus perniciosos tentáculos. Pela primeira vez na história, o Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2022 identificou que a população quilombola do país é de 1,32 milhão de pessoas, sendo a maior quantidade localizada na Bahia com 397.059 pessoas.
Os quilombolas reproduzem os ensinamentos históricos de cuidados com a terra, a água e, principalmente com as pessoas. A ancestralidade é valorizada especialmente na cultura, religião, nas práticas de utilização de plantas medicinais e no respeito ao próximo. Entre as reivindicações dos quilombolas, a principal é a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras dos seus territórios, conforme previsto pelo Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003.
Também cobram políticas públicas de saúde, investimento para a agricultura, para a produção e escoamento da produção. Da mesma forma que acontece com os territórios indígenas, nos últimos quatro anos aumentou a quantidade de conflitos e invasões aos territórios quilombolas. Os principais invasores são fazendeiros, empresas madeireiras, garimpeiros, pescadores, caçadores e posseiros que por onde passam, deixam um rastro de destruição ambiental e também crimes de ameaça, perseguição e morte. A crueldade, tortura e a quantidade de tiros nos assassinatos e chacinas são formas utilizadas pelos algozes para aumentar a intimidação e o terror.
Mãe Bernardete era uma liderança política, social e religiosa e, no mês passado, discursando em um encontro sobre a violência na Bahia, diante de uma comitiva que incluía a presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, ministra Rosa Weber, denunciou a falta de elucidação do assassinato de seu filho, Flávio Gabriel Pacífico dos Santos (Binho do Quilombo) ocorrido em setembro de 2017, além das invasões nas terras quilombolas e as constantes ameaças que vinha sofrendo, também, alertava sobre o descaso das autoridades.
No Maranhão, segundo estado com maior população quilombola, a situação é semelhante, somente de 2020 para cá, foram registrados dezenas de assassinatos, que vitimaram lideranças entre os quais, José Francisco Lopes Rodrigues, 55 anos, Celino Fernandes, 57 anos e seu filho Wanderson de Jesus Rodrigues Fernandes, 26 anos, todos do Quilombo Cedro; Antônio Gonçalo Diniz 70 anos, do Quilombo Flexeiras; João de Jesus Moreira Rodrigues, 51 anos, do Quilombo Santo Antônio e Edvaldo Pereira Rocha, do Quilombo Jacarézinho. Vários outros líderes continuam ameaçados de morte, sendo sempre importante lembrar e destacar e homenagear cada nome, para que o sacrifício da própria vida não tenha sido em vão.
A execução covarde de Mãe Bernadete, dentro de sua casa e diante de seus netos, não pode permanecer impune. Seu martírio ficará escrito em mais uma página da histórica resistência quilombola. A expectativa agora é que as atuais autoridades tenham maior efetividade em suas ações e identifiquem, prendam e encaminhem para julgamento os autores e os financiadores dessas barbáries.
O sobrenome de Maria Bernadete é Pacífico. Pacífico como deveria ser nosso país. Pacíficas como deveriam ser as relações no campo e no mundo do trabalho. Pacífica como deveria ser a vida nas comunidades quilombolas e em todos os cantos do nosso Brasil. Entre o ideal pacifista e a realidade cruel e sanguinária há um longo caminho a ser percorrido e superado que depende do empenho de todos nós.