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Trânsito que mata demais 

Letalidade nos acidentes de trânsito registra recordes, apesar da redução no número total de sinistros e acende sinal de alerta na comunidade 

Motociclistas representam 56,6% do total de mortos no trânsito de Ribeirão Preto em 2024  (Alfredo Risk)

Por Adalberto Luque 

O cabo da Polícia Militar, Wilson Carlos Romão Machado, de 45 anos, seguia para sua casa na noite de 28 de novembro de 2024. Ao passar pela Rodovia Alexandre Balbo (SP-322), o Anel Viário Norte, altura do km 328, na zona Norte, avistou um casal em uma moto com dificuldades mecânicas. 

Cabo Romão parou para ajudar casal com dificuldade mecânica e acabou atropelado, morrendo dias depois (Redes Sociais) 

Cabo Romão, como era conhecido, encostou sua moto para ajudar quando acabou sendo atropelado por um motorista, que fugiu sem prestar socorro. Ele foi levado em estado gravíssimo para o Hospital São Francisco, zona Sul de Ribeirão Preto. 

O motorista se apresentou na Central de Polícia Judiciária Integrada e disse que voltava de Sertãozinho quando viu alguém acenando na pista, mas não teria prestado atenção e atropelou o policial militar. Justificou que não parou temendo se tratar de uma tentativa de assalto. 

No dia 2 de dezembro, os médicos constataram a morte cerebral do Cabo Romão. A família decidiu doar os órgãos. Seu coração seguiu em um jato da Força Aérea Brasileira (FAB) com destino à Capital, para salvar outra vida. O PM morreu no dia 3. 

Um morto a cada 81 horas 

Cabo Romão foi uma das 108 vítimas que perderam a vida em acidentes de trânsito. Deste total, 61 morreram em acidentes com motocicletas. Foram 61 homens e 10 mulheres. Com os dados de dezembro, divulgados pelo Sistema de Informações Gerenciais de Sinistros de Trânsito (Infosiga-SP), do Detran-SP, as estatísticas de 2024 estão concluídas. 

É a maior letalidade apurada pelo Infosiga-SP desde 2015, quando o sistema foi implantado. Os 108 mortos no trânsito em Ribeirão Preto em 2024 superam os 101 registrados em 2022, que era o maior até então. Um número 30,1% maior que em 2023. A cidade teve um morto a cada 81 horas. 

Duas rodas 

Os acidentes que envolvem motos são os mais letais, de acordo com o registrado em Ribeirão Preto. Do total de 108 vítimas, 61 morreram em acidentes com motos, o que corresponde a 56,5% do total de acidentes – incluindo acidentes com automóveis, ciclistas, caminhões, ônibus e atropelamentos. 

É o segundo maior número de mulheres motociclistas mortas em acidentes. Foram 10, mesmo número de 2018. À frente está 2021, quando o Infosiga-SP computou 12 mortes. Em compensação, o número de homens mortos em acidentes com motos é o maior da série histórica. 

Em 2024, 51 motociclistas do sexo masculino perderam suas vidas. Em 2023 foram 33 e, em 2022, 41 mortos sobre duas rodas. O perfil médio da vítima fatal em acidentes de trânsito durante 2024 é homem (83,6% das vítimas), entre 20 e 24 anos (74.5%), condutor da moto (92,2%), causada por colisão (74%) e o acidente ocorreu nas vias urbanas de Ribeirão Preto (74,5%). 

Depois dos motociclistas, os grupos que mais tiveram vítimas fatais nas vias e rodovias que cortam Ribeirão Preto em 2024 foram: pedestres (19% dos casos), condutores ou ocupantes de automóveis (7%) e ciclistas (5%). 

Redução do total de acidentes 

Apesar do recorde de mortos em acidentes de trânsito, é preciso destacar que o número total de acidentes apresentou redução de 16%. Foram 3.745 acidentes em 2023, contra 3.140 em 2024.  

Deste número, de acordo com dados do Infosiga-SP de 2024, 70,7% foram colisões. Os acidentes ocorreram com 2.157 veículos e 2.133 motos, dos quais 3,8% dos sinistros foram com vítimas graves e 1,8% com vítimas fatais. 

Os dados de dezembro, divulgados no dia 20 de janeiro pelo Infosiga, apontam que Ribeirão Preto registrou 219 acidentes de trânsito, dos quais 44% não tiveram vítimas. Com vítimas leves em 47,4%. Vítimas graves foram registradas em 5,6% do total de acidentes, enquanto em 2% deles houve vítimas fatais. Ao todo, 10 pessoas morreram no trânsito de Ribeirão Preto em dezembro: cinco em acidentes com moto, quatro em atropelamentos de pedestres e um ciclista. 

Frota aumentou 

Segundo dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotivos (Anfavea), houve forte crescimento nas vendas de veículos em 2024. E a expectativa é que o crescimento se mantenha em 2025, sobretudo no segundo semestre. 

Em Ribeirão Preto, 2024 fecha com alta de 14% nas vendas de carros zero quilômetro, em comparação com 2023. São 42 veículos novos vendidos diariamente nas concessionárias da cidade. 

Com as motocicletas, no entanto, o crescimento foi ainda maior: 23,5% em comparação com 2023. Foram vendidas 6.751 motos zero quilômetro, ou 19 por dia, um recorde para a cidade. 

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), essa tendência vem sendo notada nos últimos anos. A frota total de veículos em Ribeirão Preto passou de 559.922 em 2021 para 584.520 em 2023 – o IBGE ainda não divulgou os números de 2024. 

Os automóveis, que são maioria na frota total, passaram de 306.842 unidades em 2021 para 312.614 em 2023 (crescimento de 1,9%). Já as motos saltaram de 144.622 unidades em 2021 para 152.493 em 2023 (uma elevação de 5,5% na frota sobre duas rodas). 

Para se ter uma ideia, Ribeirão Preto supera Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, em número de motos. A capital gaúcha tem população de 1,3 milhão de habitantes e 105.798 motos. Ou seja, Ribeirão Preto, com pouco mais que a metade dos habitantes de Porto Alegre, tem 44,2% mais motos. 

Custo dos acidentes 

Os custos com atendimento de vítimas nos acidentes de trânsito são enormes. Além de vidas perdidas e famílias desfeitas, a economia é drasticamente afetada pelos acidentes, grande parte, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) causados por imprudência ou desrespeito às leis de trânsito.  

A OMS aponta que 1,35 milhão de pessoas morreram em 2024 vítimas de acidentes de trânsito. Milhões de outras vítimas sofreram lesões não fatais que levam a deficiências a curto, médio e longo prazo, redução na qualidade de vida e queda de produtividade.  

Um estudo do Centro de Liderança Pública (CPL) aponta que, em 2023, 63% das vítimas de acidentes atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) eram motociclistas, seguidos por ciclistas (10%), pedestres (7%) e ocupantes de automóveis (7% entre condutores e passageiros). 

As vítimas, em sua maioria, eram do sexo masculino (80%). Além disso, as internações de homens apresentam maior gravidade em relação às mulheres, com maior tempo médio de internação, maior taxa de mortalidade intra-hospitalar, maior utilização de UTI e valores médios gastos maiores que pacientes do sexo feminino. 

A contar com pelos 24 primeiros dias de 2025 – ainda não contabilizados pelo Infosiga-SP -, será preciso muito trabalho para reverter os resultados. O trânsito já registrou quatro mortes, três das quais, motociclistas (dois com 21 anos e um com 24 anos). E nos casos das mortes em acidentes com motos de 2025, os três seguiam para o trabalho quando perderam suas vidas. O último na sexta-feira (24), quando um carro cruzou a Av. Brasil. 

Trânsito é espaço de convivência 

Velázquez, do Observatório Nacional de Segurança Viária: “pressa e desinteresse pelo outro resultam em tragédias evitáveis  (Alfredo Risk) 

O engenheiro Fernando Velázquez, mestre em Engenharia de Transportes e membro do Observatório Nacional de Segurança Viária, defende que o trânsito é um espaço compartilhado e exige atenção plena e respeito mútuo entre todos: motociclistas, motoristas, pedestres e ciclistas. 

“Mais do que punir infrações, é essencial promover uma consciência coletiva que priorize a vida e o cuidado com o próximo, reduzindo assim acidentes e mortes”, defende. Para Velázquez, a cultura do desrespeito às regras de trânsito reflete uma falta de empatia que impacta diretamente na segurança de todos. 

“Infrações aparentemente ‘pequenas’, como não dar seta ao mudar de faixa, estacionar em local proibido ou usar vagas reservadas para deficientes e idosos, demonstram uma postura egoísta que desconsidera o bem coletivo”, avalia.   

Ele acredita que esse comportamento é agravado pela ideia equivocada de que o trânsito é um espaço de competição e não de convivência. “O aumento expressivo nas mortes de motociclistas, por exemplo, expõe essa mentalidade, onde a pressa e o desinteresse pelo outro resultam em tragédias evitáveis”, encerra Velázquez. 

Riscos da mistura álcool e direção 

Com a falta de reflexo causada por dirigir embriagado, os acidentes tendem a ser mais letais, alerta o médico Leandro Mota, coordenador do SAMU (Alfredo Risk)

O médico intensivista Leandro Silva Mota, coordenador do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) em Ribeirão Preto, revelou que os socorristas notaram aumento no número de acidentes envolvendo condutores que ingeriram bebida alcoólica. 

“Principalmente com motociclistas. Percebemos no hálito etílico, na presença de cascos e latas no interior do veículo. Muitas vezes, acidentes fatais. Isso ocorre pela diminuição do reflexo quando a pessoa ingere bebida alcóolica”, explica. 

De acordo com o médico, esse quadro é mais frequentemente aos finais de semana ou dias próximos. “Tendem a ser mais letais pela falta de reflexo. A perda do controle do veículo, principalmente em alta velocidade, acaba gerando um trauma muito mais forte em quem está dentro do carro ou ejetando a vítima muito mais distante, quando se trata de motocicletas”, diz. 

A constatação do coordenador do SAMU em Ribeirão Preto corrobora um estudo feito pela Gerência de Estatística do Detran do Distrito Federal indicando que o uso de álcool ou drogas, de acordo com o levantamento, foi constatado em algum dos envolvidos em 27,5% dos acidentes com motos. 

Mota demonstra muita preocupação com o que pode ocorrer em 2025. “Neste início de ano tivemos muitos acidentes pela manhã, durante a semana, de pessoas indo para o trabalho. Acidentes dentro da cidade com motociclistas, envolvendo muita imprudência”, concluiu. 

 

 

 

 

 

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