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Trânsito mais letal em Ribeirão Preto

Adalberto Luque

Eram os últimos prepara­tivos para o casamento. Jés­sica de Souza Moraes estava prestes a realizar um grande sonho. A cerimônia foi mar­cada, com certa antecedên­cia, para o sábado, 4 de feve­reiro. A mulher, de 32 anos, já havia alugado a área para receber os convidados.

O vestido estava pronto e até a prova final já havia sido realizada. Jéssica trabalhava há um ano numa empresa e era querida pelos colegas. Moto­ciclista há muitos anos, sempre se locomovia de moto.

No dia 1º de fevereiro, fal­tando três dias para a grande data, ela subiu na moto e se­guia para a avenida Dom Pe­dro I para tratar de detalhes ainda pendentes. Seguia pela rua Tapajós, mas no cruza­mento com a rua Américo Batista, no Ipiranga, Zona Norte de Ribeirão Preto, a história de sua vida mudou.

Jéssica morreu em acidente com sua moto três dias antes da data em que se casaria

Um veículo dirigido por uma mulher de 57 anos, co­lidiu contra a moto pilotada por Jéssica. A colisão foi forte e o corpo da motociclista foi parar vários metros adiante. Não resistiu aos ferimentos e morreu no local. A outra mo­torista, em choque, foi socor­rida com ferimentos. No cru­zamento havia um semáforo.

Dois dias antes do casa­mento, o corpo de Jéssica foi sepultado no Cemitério Bom Pastor. A mulher foi a primeira morte no trânsito de Ribeirão Preto em feverei­ro de 2023. Ano que iniciou com queda de 45,5% no nú­mero de mortos de acordo com o Sistema de Informa­ções Gerenciais de Acidentes de Trânsito do Estado de São Paulo (Infosiga-SP), um ban­co de dados com informações de acidentes de trânsito no estado de São Paulo. Foram seis mortes no trânsito da ci­dade: dois motociclistas, dois motoristas, um caminhonei­ro e um pedestre.

Aumento na letalidade
O alívio verificado no co­meço deste ano, ao contrário, não foi notado em 2022. O aumento na letalidade foi de 14,6% em relação ao ano de 2021. Morreram, em 2022, 205 pessoas vítimas do trân­sito na cidade e rodovias que cortam Ribeirão Preto, con­tra 179 no ano anterior.

Agosto foi o mês mais sangrento, com 29 vítimas. Praticamente uma morte por dia por conta de acidentes no trânsito. E os mais vulnerá­veis foram mesmo os motoci­clistas, como Jéssica.

Em 2022, 68 motociclis­tas ou garupas perderam a vida em acidentes. Motoristas e passageiros de veículos de passeio registraram 54 mortes. No caso dos pedestres, uma constatação ainda mais preo­cupante: 48 pessoas morreram vítimas de atropelamentos em Ribeirão Preto. Em 2021 foram 30 mortos. Um acréscimo de 60% na letalidade.

Motociclistas lideram o ranking de vítimas fatais em Ribeirão Preto: 68 morreram em 2022

Entre os ciclistas, 20 per­deram a vida. As vítimas em acidentes com caminhões, considerando motoristas e ocupantes, totalizaram 14. Uma pessoa morreu em aci­dente com ônibus. Entre os mortos, 53,17% morreram no local do acidente. 3,42% a caminho do hospital. E outros 43,41% chegaram ao hospital, mas não resistiram aos ferimentos.

Homens são maioria
Em relação ao gênero, os homens são ampla maioria entre as mortes em aciden­tes em 2022. Foram 85,85% contra 14,15% de mulheres. Entra as vítimas, 168 perde­ram a vida no mesmo dia do acidente. Nove pessoas mor­reram no dia seguinte, en­quanto 11 pessoas resistiram por até uma semana e 17 ain­da sobreviveram por um mês.

O Infosiga-SP aponta que 61,95% dos mortos no trânsi­to foram os próprios condu­tores dos veículos envolvidos. A faixa etária que mais óbitos registrou foi dos 18 a 24 anos, com 29 mortes; depois veio a faixa dos 35 a 39 anos, com 25 óbitos.

A maioria das mortes ocorreu em vias municipais: 53,37%, enquanto outras 46,63% ocorreram em estra­das que cortam a cidade. O balanço final de 2022 regis­tra que uma pessoa morre no trânsito a cada 42 horas.

Os motoristas causam a grande maioria dos acidentes

18 por dia
O número de acidentes também cresceu, mas pou­co em relação a 2021. No ano passado a cidade registrou, no total, 6.498 acidentes, contra 6.380 em 2021, um aumento de 1,85%. Se o total de colisões e batidas no trânsito pouco cresceu, o aumento de óbi­tos indica que a letalidade foi maior em 2022.

Entre acidentes com mor­tes, com vítimas com ferimen­tos e sem vítimas, as ruas e estradas que passam por Ribei­rão Preto tiveram uma média de 18 acidentes por dia. Deste total, 67% foram enquadrados como colisões, 11% choques e 5% atropelamentos.

Os acidentes ocorreram, em sua grande maioria, nas vias urbanas, com 86,33% dos casos e apenas 13,67% nas rodovias. As principais faixas de acidentes são as das 18h, 17h e 7h, respectivamente, o que indica que os acidentes ocorrem ao anoitecer e logo que amanhece.

Custos
Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), publicada em 2020, re­velou que um acidente de trân­sito ocorrido em área urbana custa em média R$ 8.782,00. Se o acidente provocou feri­mentos ao condutor, ao pas­sageiro ou ao pedestre, o custo aumenta para R$ 17.460,00. Em caso de morte, o valor salta para R$ 144.143,00.

O Ipea levou em conta que os acidentes de trânsito no Brasil matam cerca de 45 mil pessoas por ano e deixam mais de 300 mil pessoas com lesões graves. Em uma estimativa conservadora, observou que os acidentes em rodovias custam à sociedade brasileira cerca de R$ 40 bilhões por ano, enquanto os acidentes nas áreas urbanas, em torno de R$ 10 bilhões, sendo que o custo relativo à perda de produção responde pela maior fatia desses valores, seguido pe­los custos hospitalares.

Outros fatores
Mas nem todos os aciden­tes letais no trânsito envolvem questões como imprudência, desrespeito às normas de trân­sito, condições da via ou de visibilidade, problemas mecâ­nicos ou até distração. José Iva­nildo Correia, 43 anos, seguia com sua moto pela Via Norte, na Zona Norte de Ribeirão Preto, sentido bairro-Centro.

Linha com cerol causou morte de motociclista na Via Norte

Segundo familiares, ele ia encontrar sua mãe, no do­mingo, 29 de janeiro de 2023, por volta de 12h. No caminho, uma linha de pipa com cerol causou sua morte. Correia não viu a linha – que tem seu uso proibido. Acabou sendo der­rubado da moto, tendo o pes­coço cortado – quase degolado, e morreu antes que o socorro pudesse fazer algo. Ele faz par­te da estatística das vítimas que morreram em janeiro e seu acidente foi causado por ou­tros fatores, que não o trânsito.

Especialista propõe discutir mudanças
Para Anderson Manzo­li, engenheiro civil com mestrado no Departamento de Trânsito da Universidade de São Paulo (USP) – São Carlos, e especialista em trânsito, existem três pilares que compõem o trânsito: o veículo, a infraestrutura viária e o fator humano, o próprio condutor.

“Boa parte dos acidentes ocorreram em sua maio­ria, não por simples falha mecânica, nem por falha da infraestrutura viária. O prin­cipal [causador] é humano mesmo. A infraestrutura é falha, mas se o motorista age de forma prudente, ele consegue evitar o aciden­te. Porém na prática as pessoas dirigem de forma desatenta, olhando o celular o tempo todo, dirigem com muita pressa em locais perigosos, incompatíveis com velocidades maiores, desrespeitando as leis de trânsito, alcoolizadas ou sob efeito de substâncias que alteram a atenção. Esses são os campeões em gerar acidentes. E para prevenir isso precisa investir pesado em educação no trânsito, cursos de reci­clagem e atualização para os motoristas e fazer uma fiscalização efetiva. É a única saída”, acredita.

Mas Manzoli vai além de expor a culpabilidade dos motoristas. O especialista em trânsito vê o problema como um todo. Ele aponta, por exemplo, que o exces­so de veículos numa via é falta de planejamento. “Se você tem um número muito acima, é preciso repensar a estruturação logística da cidade. Vamos colocar um sistema de transporte pú­blico melhor, colocar mais ônibus e tentar desafogar, ou fazer mais uma faixa. Muitas pessoas estão indo para a moto porque não tem outro jeito. E as pessoas, muitas vezes, não têm tanta habilidade assim para se arriscar sobre uma moto, mas acabam optando para compensarem a falta de transporte público da cida­de” aponta.

Manzoli também propõe discutir mudanças, por exemplo, na sinalização. Para ele, muitas vezes a quantidade de sinalização está de acordo com o que a via pede, mas isso não é tudo. “Será que esse forma­to de sinalização está cum­prindo o papel de chamar a atenção do motorista e in­dicar que existe um perigo à frente? Não estaria na hora de revisar essas normas de sinalização viária e, talvez, atualizar essas normas para o novo condutor, essa nova geração de pessoas que enxerga o mundo de uma forma mais dinâmica, mais rápida?” questiona o engenheiro de trânsito.

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