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Transformação do trabalho e exigência de novas habilidades

Divulgado pelo Boletim da FAPESP, está em curso uma grande transformação na organização do trabalho. Mudanças referentes à chamada Quarta Revolução Industrial perpassam por questões que envolvem automação, robôs, análise de big data e aprendi­zado de máquina. Nesse contexto, é preciso atentar para o saldo do desemprego crescente e a criação de postos de trabalho mais qualificados ou até novos padrões de trabalho. Esse futuro do trabalho e do aprendizado foi tema do 7º Diálogo Brasil-Alemanha de Ciência, Pesquisa e Inovação, ocorrido nos dias 30 e 31 de outubro na sede da FAPESP. No evento, pesquisadores brasileiros e alemães discutiram novas tecnologias, processos de trabalho em empresas e a necessidade de aprendizado de novas habilidades. A relação entre inteligência artificial e seu impacto no mercado de trabalho tem ocasionado sua discussão por cientistas, empresas e políticos. “A questão é tão premente que alguns países estão criando Ministérios de Inteligência Artificial para lidar com as dificulda­des que envolvem a transição no trabalho”, disse Luís da Cunha Lamb, professor e pró-reitor de pesquisa da UFRGS. Lamb defende que é preciso incluir esses temas na educação e, principalmente – em tempos de inteligência artificial e aprendizado de máquina –, aprender a raciocinar. “Na minha opinião, não estamos educando as pessoas para trabalharem nesse mundo”, disse. De acordo com relatório do Fórum Econômico Mundial, publicado este ano, as máquinas farão mais tarefas do que os humanos já em 2025, porém a revolução dos robôs criará 58 milhões de novos empregos nos próximos cinco anos. “Esses novos postos viriam a partir da adoção de novas tecnologias em empresas e na indústria, como uso e análise de big data, internet das coisas e aprendizado de máquina. Enquanto se perde de um lado, ganha-se com novas habilidades, e isso não necessariamente tem um saldo positivo”, disse Bernd Dworschak, pesquisador sênior do Fraunhofer Institute for Industrial Engineering. Ainda de acordo com o relatório, a rápida evolu­ção de robôs, máquinas e algoritmos no mercado de trabalho pode criar 133 milhões de novos postos de trabalho, enquanto outros 75 milhões perderão lugar até 2022. Essa mudança na organização do trabalho já passa a ser sentida nos empregos.

No Brasil, outro participante do evento, Afonso Fleury, docente da USP, afirmou que “A escolha pela tecnologia é sempre interessante, mas não podemos esquecer que ela passa também pela criação de políticas industriais, de ciência e tecnologia. Enfim, é uma decisão que deve ser feita em cada país”, disse. Para ele, a situação brasileira não serve como boa base para o enfrentamento da revolução 4.0. “No Brasil, temos algum avanço no setor agroindustrial e no de serviços, mas estamos en­frentando a desindustrialização, mas não necessariamente na indústria digital”, disse Fleury. Estudo realizado pela Confede­ração Nacional da Indústria (CNI) indicou que atualmente apenas 1,6% da indústria brasileira está na chamada indústria 4.0 – quando a produção é conectada por meio de tecnologias da informação integradas e processos inteligentes, com capacidade de subsidiar gestores com informações para tomada de decisão. No mesmo estudo, a chamada indústria 3.0 corresponde a 20,5%. Já as indústrias 2.0 e 1.0 correspondem a 39,1% e 38,7%, respectivamente. Segundo pesquisadores, no Brasil existem ainda dois entraves principais para a transição do trabalho: produtividade e qualidade educacional.

“O Brasil tem um problema grave de baixa produtividade e baixa qualidade educacional. Como podemos pensar em robôs, máquinas e inteligência artificial?”, disse Naercio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper. Outro ponto abordado no 7º Diálogo Brasil-Alemanha de Ciência, Pesquisa e Inovação foi Aprender e ensinar, ou seja, a importância do aprendiza­do de novas habilidades para um mundo digitalizado. “As discussões sobre as mudanças digitais vêm muito associadas a outra sobre o que vai ocorrer aos trabalhadores. Será que eles estão sendo preparados para esses novos tempos? E aqueles que já estão no mercado de trabalho, como eles serão preparados? Aqui buscamos organizar as ideias em torno da educação para essa nova era”, disse Ana Maria Almeida, professora da Unicamp e mediadora da sessão sobre educação no evento.

Markus Feufel, professor da Universidade Técnica de Berlim, falou sobre como as habilidades humanas continuam tendo valor em um mundo digital e como este pode ser benéfico, aumentando as competências dos trabalhadores. Segundo o pesquisador, apesar dos avanços em inteligência artificial e outras tecnologias, há situações em que as competências humanas são necessárias e é preciso treiná-las nos estudantes. “Para algumas situações, computadores são ótimos, devemos usá-los porque realmente melhoram nossas competências. Mas, em outras situações, isso não ocorre. As competências humanas devem ser o foco principal. Especialmente na universidade, não estamos treinando nossa intuição, nossa tomada de decisões. Nossas competências acadêmicas não são tão úteis em muitos contextos”, disse Feufel. Simon Schwartzman, do IETS-RJ, afirmou que um primeiro passo seria uma reforma no ensino médio brasileiro, atualmente muito focado na entrada na universidade. O problema é que muito poucos acabam entrando e, mesmo os que se formam, atuam fora de suas áreas. “É preciso que os alunos realmente aprendam habilidades, não apenas repitam o conhecimento dos professores”, disse.

Outro tema relevante foi a questão da desigualdade. Participantes do evento destacaram que, para se pensar uma educação mais avançada, no entanto, ainda é preciso superar desigualdades muito prementes na Alemanha, mas principalmente no Brasil. Enquanto no país europeu chama-se a atenção para alguns pequenos grupos como de pessoas mais pobres, portadores de deficiências, imigrantes e que precisam cuidar de filhos pequenos ou pessoas doentes, no Brasil ainda há diferenças baseadas em renda e raça. Monika Hackel, professora do Instituto Federal de Educação Vocacional e Treinamento da Alemanha, disse que o sistema de ensino profissionalizante de seu país teve de desenvolver formas de não deixar ninguém para trás no processo de industrialização alemão. “Temos leis para dar suporte a alguns grupos especiais, como pessoas que cuidam de filhos pequenos ou de pessoas doentes ou mais velhas. Nós oferecemos flexibilidade na duração dos cursos profissionalizantes. Há ainda módulos especiais para pessoas com dificuldades de aprendizado e a possibilidade de treinar novamente aqueles que não conseguem mais trabalhar em suas antigas funções”, disse.

Por sua vez, Márcia Lima, professora da USP e pesquisadora sênior do Cebrap, disse que para avançar no debate sobre aprendizado de novas habilidades e tecnologias é preciso ter em mente, pelo menos no Brasil, as desigualdades educacionais extremas e como grande parte dos avanços nesse campo é recente. “O paradoxo da educação é que ela pode reduzir desi­gualdades dando oportunidades. No entanto, o sistema educacional reproduz desigualdades em vez de corrigi-las. Por isso, é imperativo refletir como essas novas habilidades e tecnologias vão aumentar a lacuna social e racial”, disse.

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