A celebração do centenário da Vila Virgínia propicia o momento para uma válida reflexão sobre seu surgimento, sua contribuição para o desenvolvimento social e econômico de Ribeirão Preto e, também, sobre os rumos do progresso do bairro nestas primeiras décadas do século XXI. Para isso, é necessário regressar no tempo a fim de compreender a dinâmica do processo histórico que nos trouxe até os dias de hoje.
As terras que originaram a Vila Virgínia estiveram sob constante disputa por sua posse. No século XIX, o litígio judicial entre as duas famílias que as almejavam e a posterior resolução desmembraram esse solo de terra roxa em uma fazenda chamada Retiro, a maior entre as fazendas que formaram o território ribeirão-pretano e seus consequentes bairros. Então, já ficava evidente a qualidade do espaço e sua estratégica posição geográfica.
A região central, todavia, foi a primeira que se despontou pois sediou a capela dedicada a São Sebastião. A riqueza advinda das lavouras cafeeiras trazia progresso e investimentos para a cidade que começava a ordenar seu espaço urbano: a arquitetura francesa e italiana inspirava as construções, o comércio começava a se difundir, a Igreja se tornava cada vez mais presente na sociedade e as obras públicas e privadas cresciam, assim como a população citadina.
A linha férrea da Companhia Mogiana trazia os avanços do século XX, transportava a produção de café e os novos habitantes que vinham com o propósito de viver na promissora cidade e compunham a mão de obra para os serviços já mencionados. Abaixo da linha do trem, antes de se chegar na região central, encontrava-se uma chácara denominada Paraíso, que devido ao desenvolvimento urbano, foi dividida e leiloada publicamente. E aqui se principia a história da Vila Virgínia.
Álvaro de Lima, um comerciante mineiro natural de Carmo de Parnaíba, veio a Ribeirão Preto para trabalhar e aqui se domiciliou. Ele arrematou parte do território da antiga chácara e a loteou, tendo a aprovação da Prefeitura em 16 de maio de 1924. A ele ficou a responsabilidade de nomear a nova comunidade urbana que surgia. Desse modo, escolheu laurear sua esposa, Virginia de Barros, dando-lhe o nome do bairro.
A Vila Virgínia era, então, um dos primeiros espaços periféricos da cidade. Nasceu com a marca do trabalho. Se Ribeirão Preto há de viver eternamente da glória do trabalho que a formou, como versa o hino municipal, a Vila Virgínia foi o reduto que abrigou os braços fortes que trabalharam para construí-la. Isso se atesta pelo perfil de seus primeiros moradores: ferroviários, comerciantes, operários da nascente indústria, trabalhadores da construção civil.
Não sem fundamento, à principal avenida que surgiu nos princípios de sua delimitação foi territorial foi dado o nome de Primeiro de Maio, como recordação e memória do esforço do trabalho humano. Além dos habitantes fundadores do bairro, como as famílias Garde, Mallardo e Martins, a Vila Virgínia acolheu inúmeros imigrantes, sobretudo portugueses e italianos, que se instalaram e aqui formaram suas famílias.
Com a passagem do tempo, a Vila Virgínia passou a ter seu valor social reconhecido. Sediou paróquia e escola, recebeu obras públicas que melhoraram a qualidade de vida dos seus habitantes – como calçamento das ruas e estrutura de saneamento básico – e recepcionou o comércio ascendente nas novas áreas da cidade.
Nessas bases, durante cem anos, solidificou-se a Vila Virgínia. No entanto, outros desafios aparecem no curso dos novos tempos. O crescimento populacional afetou a dinâmica urbana e o que antes era um bairro de fronteiras bem estabelecidas, tornou-se um complexo que reúne diversas realidades. O Complexo Vila Virgínia compreende hoje dez bairros e abriga uma população de cerca de 120 mil habitantes. A mobilidade, as condições de habitação, a produção e a distribuição dos bens e as políticas públicas tiveram de se alterar a fim de atender a essa parte importante da população ribeirão-pretana. Apesar de algumas problemáticas permanentes, os investimentos no bairro continuam, sobretudo nas áreas da saúde e da educação.
Por fim, o que se pode destacar sobre a Vila Virgínia nessa especial data em que se comemora seu centenário? Sem dúvidas, a cada esquina se evidencia o trabalho de muitos homens e mulheres que por aqui passaram e deixaram gravadas as suas presenças; em todas as relações humanas, o falar simples de sua gente; e na paisagem de suas ruas e praças, a marca do tempo que corre e da história centenária que a acompanha.
Bruno Paiva Meni
Historiador e professor de História
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