Por Adriana Del Ré e Ubiratan Brasil
O sucesso do show Titãs Trio Acústico, que estreou nos palcos no ano passado, inspirou Branco Mello, Sergio Britto e Tony Bellotto a pensar em desdobramentos para o projeto ao longo deste ano. A começar pelo lançamento de três EPs, com todas as canções que estão no repertório da apresentação que celebra a obra dos Titãs, num formato minimalista, desplugado, idealizado para teatros. O primeiro, Trio Acústico – EP01, foi lançado pela BMG este mês, nas plataformas digitais, com releituras de hits como Sonífera Ilha (que ganhou clipe especial, com participação de nomes como Fabio Assunção, Fernanda Montenegro, Rita Lee e Roberto de Carvalho), Família e Miséria.
Os outros dois EPs vão chegar às plataformas ao longo de 2020 e, segundo Tony Bellotto, a ideia é lançar um álbum com todas as faixas no final do ano. “Durante essa turnê, a gente foi percebendo que o projeto estava sendo muito bem recebido pelo público e a gente ficou com vontade de fazer um registro bem apurado, com um acabamento técnico melhor do que se consegue tocando ao vivo”, conta Bellotto. “Então, a gente começou a trabalhar em estúdio, desde o final do ano passado, nos intervalos dos shows, durante a semana.”
A banda já havia reservado uma data em julho no Teatro Municipal de São Paulo para um show que seria registrado ao vivo. Mas, por causa do avanço do coronavírus, a apresentação precisou ser adiada. Aliás, todos os shows e festivais foram suspensos ou cancelados até segunda ordem. Sobre o futuro do mercado de música depois de passada a pandemia, Bellotto diz que tem pensado no assunto. “A gente está muito preocupado, porque você não sabe quando que realmente os shows vão poder acontecer de novo. Acho que, passando esse pico da pandemia, as pessoas vão começar a relaxar essa questão de isolamento. Então, você começa a poder sair, para eventualmente ir até um bar, restaurante, mas não sei em que momento as pessoas vão estar liberadas para ir a um show e vão ter coragem de ir a um lugar com outras 5 mil pessoas”, afirma ele.
“Por enquanto, é uma incógnita que ninguém consegue responder. Estamos todos um pouco apreensivos, porque é um mercado grande, todo o pessoal que trabalha com a gente, técnicos, enfim, o pessoal que vive disso, é muita gente. Acho que vai ter que esperar um pouco para ter uma ideia”, completa o guitarrista, em conversa com o Estado, por telefone, de seu isolamento. Bellotto está com a mulher, a atriz Malu Mader, filhos e sobrinhas em uma casa que tem em Penedo, no Estado do Rio. “É uma propriedade grande. Estamos confinados, mas tem espaço para sair, tomar sol, dar uma corrida. Não está sendo tão opressivo que nem com alguns amigos e parentes que vejo que estão confinados em quartos, apartamentos pequenos, mas, enfim, é um esforço que todo mundo tem que fazer, não tem outra opção”, diz. “Sou um otimista, acho que coisas boas hão de sair daí, que é um momento de transformação geral, tanto individual quanto da sociedade como um todo. Acho que temos que lutar sempre guiados pela ciência, para vencer logo essa epidemia e tirar depois as lições positivas que virão disso também.”
Em contato quase que diariamente com Branco e Britto, o músico conta que eles têm se dedicado a compor material inédito, que pode entrar no último EP a ser lançado. “Até para mostrar que a gente está fazendo um trabalho de releitura, mas a gente sempre tem coisa nova de sobra.” Bellotto não descarta, no entanto, a possibilidade que essa coleção de canções inéditas possa ficar para um novo projeto. “Não sei o que vai ser. O que eu sei é que a gente continua produzindo, e isso é muito bom. Vamos fazer 38 anos de carreira. Quando se lança um trabalho como esse, que é de revisão, muita gente fala: ‘estão aí, revisando as coisas do passado, não têm mais nada a dizer’, e é o contrário: a gente mantém a banda não só porque é um emprego garantido – até porque hoje em dia não é mais -, mas porque é uma fonte de motivação de trabalho.”
Assim, nessa fase de isolamento, o músico segue tocando e compondo. Mas faz uma ponderação. “Estou fazendo coisas novas aqui, sim, mas muita gente acha que os autores, os compositores estão compondo neste momento. No entanto, é difícil você encontrar calma para compor, porque está todo mundo muito ansioso. Às vezes, até me programo: vou ver a internet e vou ler um livro. Quando vejo, fiquei na internet, não consegui ler, já estou com sono, só li notícias horríveis. A gente está numa ansiedade que não é muito produtiva. Mas, nessa luta para não pirar dentro do isolamento, você busca essa tranquilidade, se fecha um pouco para essas assombrações que estão pairando no ar. Pego o violão, começo a aproveitar que tenho tempo para desenvolver uma coisa, que não vou ter que sair. Está funcionando.”
E, em tempos de lives musicais, não espere uma entrada ao vivo de Bellotto em alguma rede social. Mesmo porque ele não tem perfil no Instagram nem no Facebook. “Sou o único na banda que não tem. Não tenho hábito de fazer e agora que não estou fazendo mesmo”, diverte-se.
Também escritor, Bellotto está lançando o romance Dom, mas, por causa da pandemia, sessões de autógrafos que seriam realizadas em São Paulo e no Rio foram adiadas. “É baseado numa história real de um assaltante, Pedro Dom, que foi morto pela polícia do Rio no começo dos anos 2000.” Ele conta que se envolveu com o tema quando foi convidado pelo diretor Breno Silveira para ser roteirista de um filme sobre a vida de Dom.
O projeto acabou sendo engavetado. “Passaram-se anos, e o pai dele voltou a me procurar dizendo que eu precisava escrever a história do filho. Fui olhar as anotações que eu tinha feito para o roteiro e achei muito interessante. Disse: isso aqui dá um romance.” Breno retomou também a ideia, e fará agora uma série sobre Pedro Dom para a Amazon. Bellotto não será o roteirista desta vez, mas a produção será baseada em seu livro.
‘Dom’ Retrata Personagem Fascinante
Há 25 anos, Tony Bellotto lançou seu primeiro livro, Bellini e a Esfinge, iniciando uma série com o detetive Remo Bellini, investigador viciado em blues e sanduíche de provolone com salaminho. E, quando se esperava que o personagem figuraria em uma série de novos romances, Bellotto deu uma guinada, buscando rumos diferentes para os conflitos humanos que sempre lhe interessaram.
Surgiram assim Os Insones, No Buraco, Machu Picchu e Lô, alguns deles, aliás, bem distantes do policial. E agora chega Dom, que lhe trouxe o desafio de romancear uma história real e, por si só, fascinante: a trajetória real de Pedro Machado Lomba Neto (1981-2005), o Pedro Dom, jovem da classe média carioca que chefiou uma violenta quadrilha especializada em assaltar residências de luxo no Rio.
Pedro Dom é um personagem tão especial quanto João Guilherme Estrela, outro jovem de família rica que, nos anos 1990, tornou-se o principal fornecedor de drogas da alta sociedade carioca. Diante de tamanho desafio, Bellotto comprova ser um autor consolidado, alternando com precisão fatos reais e fictícios: ao narrar a história do rapaz que começou a se drogar aos 9 anos, a roubar aos 12 e cujo pai foi um policial que integrou o Esquadrão da Morte, Bellotto amplia o quadro e apresenta ao leitor um perturbador retrato das desigualdades sociais brasileiras, que não terminaram quando Dom foi morto com um tiro de fuzil, em 2005.