Por Leandro Nunes
Enquanto se preparava para as fotos, Tonico Pereira revela à reportagem que participou recentemente de um ensaio com o fotógrafo Terry Richardson, o mesmo que dirigiu o clipe Vai Malandra, de Anitta. “Foi nu”, ele se diverte. O ator de 70 anos completados no mês passado estreia neste sábado, 21, o espetáculo O Julgamento de Sócrates, no Teatro Nair Bello.
Com a mesma espontaneidade presente no exército de personagens vividos ao longo dos 50 anos de ofício, Pereira relembra momentos da carreira, fala sobre os diversos negócios paralelos que geriu – e que faliram. “Vim para o Rio com algumas opções, uma era ser jogador de futebol, as outras… não tinhas outras”, afirma o ator nascido em Campos dos Goytacazes, a 275 km da capital carioca.
Pereira estreou profissionalmente no espetáculo O Futuro Está nos Ovos, texto de Eugène Ionesco, em 1969. “Mas antes eu já fazia teatro na Universidade Federal Fluminense em um projeto popular com a comunidade.” Ele diz que foi o máximo de proximidade que teve com o ambiente estudantil e aponta, sorrindo, para a frase escrita em sua camiseta: “A única relação que me permito com acadêmicos é ser estudado por eles.”
Com o início da carreira na televisão – o ator já tinha participado de duas novelas, mas ganhou destaque com Zé Carneiro de Sítio do Picapau Amarelo -, Pereira gastou tempo e recursos envolvido em empreendimentos, como peixaria, livraria, botequim e também vendeu relógios. “Nada deu certo”, conta. Hoje tenho uma loja de onde saiu a camiseta com frases de sua autoria. “No Brasil de hoje é difícil manter qualquer coisa.” Para ele, a alta dose de rebeldia em sua personalidade também abreviava as possibilidades de sucesso nos negócios. Mas por que insistiu tanto?
“Primeiro, eu sempre fui inseguro como ator. Não estudei e sempre achei que isso não iria durar. Até hoje acho”, brinca. “Tudo o que fiz foi para sobreviver e depois criar meus quatro filhos.” Os mais novos, os gêmeos de 13 anos, são bem diferentes, conta. “Digo que ele é meio Hamlet, e a menina está para uma rainha de bateria.”
É com esse mesmo carinho que o ator guarda os personagens que já fez. O Mendonça, de A Grande Família, brilhou como o amigo de Lineu ao longo de quase 13 anos. “Mesmo após se despedir, esses personagens prosseguem com a gente. Isso me faz querer aprender o que eles ensinam. É uma troca constante de humanidade. Sou como uma quadrilha que sempre aceita a chegada de novos membros ” E sendo Sócrates o novato da gangue, o ator conta o motivo de aceitar o papel. “Sou um ator de aluguel, recebo muitos convites, mas só me aproximo do que realmente me interessa, que me ajude a olhar o mundo, além de, claro, pode ser engraçado.”
A montagem é uma adaptação de Ivan Fernandes do livro Apologia de Sócrates, escrita pelo filósofo e matemático Platão. O texto retrata o caso de condenação do filósofo morto por envenenamento, acusado de desacreditar nos deuses gregos, unir-se a deuses malignos e corromper jovens com suas ideias. O que se sabe sobre a vida do filósofo é o que o faz tão enigmático, já que não há conhecimento de obra assinada por Sócrates. O que existe vem de fontes contemporâneas de Sócrates, como Platão, Aristófanes e Xenofonte. “Ele não se enquadrou e suas ideias transformaram o mundo como conhecemos hoje. Naquele momento, Sócrates até tentou se defender e se livrar de um julgamento injusto”, afirma o ator que interpreta com o auxílio do ponto eletrônico. “Quase não leio roteiros. Uso o ponto por opção e porque meu passado rebelde acabou deteriorando meu cérebro.”
O JULGAMENTO DE SÓCRATES
Teatro Nair Bello. R. Frei Caneca, 569; 3472-2414. Estreia 21/7. Sáb., 21h; dom., 19h R$ 60. Até 9/9
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.