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Tom Jobim e Vinícius, simples desejos

Tom Jobim e Vinícius de Moraes: se todos fossem iguais a vocês, que maravilha viver, muitas canções pelo ar, uma cidade por eles cantada, uma cidade a cantar, uma mulher a cantar, a sorrir a cantar a pedir a beleza de amar, como o sol, como a flor, como a luz… É claro que não poderia faltar a mulher, essa maravilha criada por Deus, e os dois transbordando admiração por elas em cada canção composta.

Difícil encontrar uma música deles que não tenha a mulher – “existiria a verdade, verdade que ninguém vê, ah… se todos fossem no mundo iguais a vocês”, Tom e Vinícius. Esta música é de 1956, eu tinha nove anos, e a canto até hoje. Sempre digo que música bonita não envelhece. Felizes somos nós que fizemos parte desta geração e tivemos o privilégio de apreciar suas obras, conhecer um pouco do que eles foram, de como viviam.

O maestro e o poeta, como todos os mortais, tinham desejos simples, tão simples que enfrentavam uma certa timidez antes de realizá-los. Porém, chega o dia em que passam uma régua e vão à luta. Primeiro vou contar um desejo de Tom Jobim. Ele tinha um sitio na região de Petrópolis, nas proximidades passava um rio, mas não era de pescaria. No entanto, admirava quem praticava este modo de vida, assistia a filmes e via os pescadores usando coletes tipo aqueles que são usados por fotógrafos e cinegrafistas, cheios de bolsos e coisa e tal.

Tom era vidrado em usar um daqueles coletes. Certo dia, esta­va em seu sitio e decidiu ir até uma loja de caça e pesca na cidade. E lá foi Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim!
Comprou tudo de pesca, e, óbvio, não esqueceu seu objeto de desejo, aquele colete de pescador. Quando ele contou essa história em uma entrevista, eu viajei na narrativa e imaginei o maestro saindo da casa de pesca, parando na porta vestido como manda o manual de pescaria, chapéu de lona, colete cheio de chumbadas e anzóis, alicatinho, na mão, vara com carretilha e tudo mais…

Tom deu uma geral na redondeza e viu que, ao lado, havia um bar, e o maestro resolveu sentar-se numa mesinha na calçada para molhar o verbo um pouquinho. E eu vidrado, vendo e ouvindo ele contar tudinho, pois queria ver o final da história. Como eu sei muito bem o que é se sentar numa mesa de bar – pra levantar, aí já são outros quinhentos –, resultado: Tom ficou ali até escurecer, voltou pro sitio pra lá de Bagdá, sua estreia no barranco de um rio ficou pra história, mas comprou o tal colete.

Vamos a um desejo do poeta Vinicius de Moraes, “Vini” ou “Poetinha” para os mais chegados. Minha convivência com Só­crates me proporcionou a oportunidade de conhecer Toquinho, outro parceiro de Vinícius – imaginem o que ele sabe de “causos” do poeta. Sempre que vinha para Ribeirão Preto jogar uma pela­da com Magrão, irmãos e filhos, depois tinha aquele churrasco e uma resenha sem fim. E dá-lhe histórias…

Na sua fase baiana, Vinícius comprou um grande terreno na quase deserta Praia de Itapuã e pediu ao arquiteto que projetasse um banheiro com uma enorme banheira, de onde ele pudesse ver o mar, e o cara deu um show no desejo do poeta. Vinícius não ia ao mar, mas adorava ver aquele horizonte sem fim. E como ficava na banheira horas e horas, era só abrir a cortina e ali estava aquele mar azul infinito.

Lá na Bahia ele quis realizar um desejo que no Rio de Janeiro não era possível nem pensar, não tinha coragem. Deslumbrado com o sucesso do ator Marlon Brando em cima de uma moto, com aquele blusão de couro e boné também de couro, comprou tudo igual, até a moto. Detalhe: não andava de moto nem a pau, não sabia e tinha medo.

Pra resolver esse problema, contratou um baiano com uma camioneta, colocou a moto em cima da carroceria, deram um jeito de fixá-la e lá ia o Vinícius motociclista só num faz de conta, ele queria sentir o vento no rosto e tudo mais. Durou pouco, mas foi mais uma vontade realizada. Quem de nós não tem simples desejos guardados no peito? Eu tenho.

Sexta conto mais.

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