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Tim-tim por tim-tim: porque o apoio de evangélicos a Israel 

José Antônio Lages * 
 
Na manifestação de bolsonaristas no último dia 25, vimos uma mulher com uma bandeira de Israel, dizendo que era cristã assim como os judeus. Continuou, depois, destilando um total desconhecimento sobre aquilo em que acreditava. Havia mais bandeiras de Israel do que do Brasil na manifestação. No entorno mais próximo de Bolsonaro, saíram os generais e entraram os evangélicos, capitaneados pelo pastor-empresário Silas Malafaia. Aliás, este pastor bancou boa parte dos gastos da manifestação. Mas fica a pergunta: por que tanta intimidade entre os evangélicos e Israel aqui e mesmo em muitos círculos de cristãos conservadores pelo mundo afora? 
 
Sou graduado em Teologia com doutorado em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo e acredito que posso escrever sobre essa questão com certa propriedade. Não sou teólogo por profissão, mas tenho o conhecimento necessário para falar sobre o assunto. A primeira parte da Bíblia refere-se diretamente à história e à religião judaicas. É o Antigo Testamento, diferente da segunda parte, o Novo Testamento, que se refere aos escritos relacionados ao cristianismo (Evangelhos, cartas, etc.). É sempre bom lembrar que o cristianismo surgiu do judaísmo e Jesus era judeu, cresceu e foi educado no judaísmo. 
 
Talvez muito por influência de Paulo de Tarso, o cristianismo tomou um caminho próprio, tornando-se uma religião independente. Entre muitos grupos evangélicos, principalmente neopentecostais, percebemos uma identificação cada vez maior com o Antigo Testamento em detrimento do Novo Testamento. Alguns especialistas chegam a falar até de uma descristianização desses grupos. Basta ver o Templo de Salomão construído pelo bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, em São Paulo. Se formos, hoje, em muitos cultos desses grupos, quase não se ouve mais a Palavra de Deus pelo Novo Testamento. 
 
Mas por que isso? Existe uma base teológica, para embasar essa aproximação? Sim, existe!  Trata-se de uma corrente muito difundida entre esses grupos chamada de Dispensacionalismo que enxerga Israel como uma espécie de “relógio do fim do mundo”. Vamos explicar. Esses grupos tem uma crença inabalável no fim do mundo e na volta de Cristo, e acham que ele está próximo. Acreditam que, antes disso, o povo
eleito do Antigo testamento
os judeus retornariam à “terra prometida” e se converteriam ao Deus verdadeiro. A criação do Estado de Israel em 1948 foi entendida por essa corrente como esse sinal de que o fim do mundo está próximo.
 
 
Para eles, Israel é visto como o campo de batalha do fim do mundo, onde haverá o grande Armagedon, a batalha final entre a luz e as trevas, entre Deus e seus anjos, de um lado, e entre o demônio e seus aliados, de outro. Mas o maior perigo mora ao lado: “se confunde o povo de Israel do Velho Testamento com o Estado moderno de Israel, com a política sionista”, afirma o pastor e teólogo Alexandre Gonçalves. Os pastores que lideram esses grupos usam interpretações do Antigo Testamento para se inserirem no espaço público e na política. Fica muito claro aqui um projeto de poder sobre toda a sociedade. 
 
O cerne dessa doutrina é de fundo político sob verniz religioso. Então, para isso o Antigo Testamento funciona muito melhor do que o Novo. Bolsonaro soube ler bem esse momento e aproveitá-lo politicamente. O que ele fez foi “colocar um holofote institucional em uma situação que já estava posta”, como afirma o Prof. Sérgio Dusilek, da Universidade Federal de Juiz de Fora. A corrente teológica do Dispensacionalismo foi cooptada por tradições conservadoras evangélicas e sionistas, ligadas a um fundamentalismo cristão, para quem essa confusão entre um povo que existiu na história e o estado moderno de Israel é altamente interessante. 
 
O apoio desses grupos, hoje, não é propriamente ao povo judeu mas ao governo de extrema-direita de Benjamin Netanyahu. E, na sequência, à toda a sua política bélica de extermínio e genocídio dos palestinos. A ignorância é tanta que desconhecem que a sociedade israelense é multiforme, com conflitos internos, com diversidade política, com partidos de esquerda, com movimentos feministas, LGBTQIAPN+. Israel é uma democracia, apesar de Netanyahu. A Israel concreta, do dia a dia, é diversa e inclui posições diametralmente contrárias a Netanyahu e aos bolsonaristas aqui do Brasil. Mais uma vez, desconectados da realidade, vivendo em um mundo paralelo. 
 
* Consultor técnico-legislativo e ex-vereador em Ribeirão Preto (Legislatura 2001-2004) 

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