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Temos que utilizar o cérebro

Para ler uma coluna, um livro, poesia, estudar publicações técnicas etc. é preciso algo que nem todos têm: o gosto pela leitura. Isso pode até ser inato do ser humano, mas, penso que é algo que cada um desenvolve ao longo da vida. Quer dizer, a gente vai lendo, lendo e quando vê isso passar a fazer bem (e a fazer falta).Com a política acontece o mesmo. Dependemos muito dela, mas, nem sempre a acompanhamos com prazer, com entusiasmo. É algo tão importante quanto ler e devia ser exercitado na mesma medida, para a saúde do Estado e desenvolvimento das pessoas que nele vivem.

“O homem é, naturalmente, um ser político” – como disse Aristóteles, mais de 300 anos a.C. Nos relacionamos em família, com os vizinhos, amigos, cole­gas de escola, do trabalho etc. Muitas vezes, antagonizamosnossas ideias com as deles. Então, politicamente, adotamos resoluções que permitam que nossas opiniões e as do antagonista coexistam, sem que descambemos para uma con­tenda física. Isso porque, há séculos, aprendemos que é possível a convivência em grupo sem que os mais fortes tenham que prevalecer sobre os mais fracos. Uma democracia, ademais, permite que grupos minoritários convivam no seio social sem que sejam objetos de perseguição ou outra forma de preconceito segregacional: é a liberdade! Somos livres e políticos, portanto.

Ocorre que isso não dá o direito de as pessoas usarem essa liberdade para politizar (no sentido radical) todas as coisas. Não tem cabimento, para ficar apenas num exemplo banal, uma briga virtual sem precedentes no entorno da criação de uma nota de R$200,00 (duzentos reais). Alguém que, como eu, viveu períodos de megainflação, conhece coisas inacreditáveis como uma nota de CR$500.000,00 (quinhentos mil cruzeiros) – a maior cédula que circulou no mercado brasileiro, emitida em 1993. Notas de dinheiro são postas em circulação para pagar bens e serviços. Uma nota de R$100,00 (cem reais), lançada em 1994, sofreu corrosão inflacionária de 520% até hoje. Quer dizer, teríamos que ter uma nota de R$620,00 para pagar os mesmos bens e serviços que comprávamos com aqueles R$100,00. Então, é algo natural termos uma nota de R$200,00 (ou maior).

Ocorre que, algo simples assim, deixa de ser! As pessoas se dividem em dois grupos, imediatamente. Quem é contra Bolsonaro odeia a nota de R$200,00 – que nem saiu da Casa da Moeda. Dizem que ela vai patrocinar uma corrupção maior, vai facilitar as malas de propinas etc. E a turma que apoia o Bolsonaro já incluiu uma foto do próprio (fazendo ‘arminha’ com as mãos na cédula), circulando essa montagem só para fazer troça com os adversários. Vejam aí a que ponto chegamos quando uma sociedade adoece. As pessoas estão se estapeando por qualquer coisa. Há inclusive familiares que deixaram de conversar, de se ver, em razão desse nível de bobagens. É estarrecedor!

Deveríamos pensar a política de um modo muito mais resolutivo que passional. Não deveria importar as intenções de uma política pública, mas, sim, quais são seus resultados. E a paternidade de algo que funciona nunca poderia ser atribuída apenas a um político, afinal, uma miríade de pessoas foi necessária para que aquela política funcionasse. Assim como algo que dá errado não deve ser atirado sobre os ombros de um ‘cristo’, afinal, se deu errado cabe a nós, sociedade, como seres livres e políticos, adotarmos novos caminhos, de modo a consertar aquilo que não vinha funcionando.

Essas coisas me parecem evidentes, elementares. Mais: aconselho você a não guardar rancores. É algo mágico, acredite! Olho para Lula ou Bolsonaro, escuto seus discursos, vejo seus trejeitos populistas, e não tenho um senti­mento diferente em relação a ambos. Nem amor, nem ódio, nem repulsa, nem nada… Apenas vejo, naquilo que dizem, coisas certas e coisas erradas. Ponto. Será que é tão difícil utilizar nossa racionalidade assim? É imperioso termos ódio mútuo? Não vamos melhorar nosso país se não tivermos representantes mais qualificados. Ou seja, eleger pessoas por aquilo que fazem e não pelo que dizem. Isso é tão antigo que é um ensinamento bíblico, ainda não absorvido.

Brigar por uma nova nota de dinheiro é dar razão aos exaltados. Isso só aprofunda a esterilidade do debate.O problema, portanto, não está nos políticos, mas, em nós – eu e você. Não temos os piores políticos do mundo. Também não é possível eleger aqui políticos da Suécia! Temos que nos virar conosco. E se o eleito não está indo bem, não se frustre: nas próximas elei­ções você o apeia do cargo…

Política se faz com entendimento, com o consenso possível dentro do dissenso. Agir com o coração ou com o fígado não ajuda em nada. Temos que utilizar o cérebro.

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