Sérgio Roxo da Fonseca *
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Afirma-se que as palavras documentam a história. É bem possível inverter o tema para dizer que a história é a mãe das palavras. Ou até mesmo que tanto as palavras quanto a história são filhas de uma mesma fonte ainda desconhecida.
Fiz o curso de piloto, voando em pequenos aviões, os teco-tecos ou paulistinhas. Na época, ou seja, na década de cinquenta, aqueles aviões falavam conosco usando a língua francesa, muito embora, muitos deles nascessem em território brasileiro. Hoje em dia os aviões dialogam com seus tripulantes em inglês. É possível comparar a história daquele tempo com o atual, olhando para a linguagem de cada um? Penso que sim.
Mas não somente os aviões falam usando variadas e compreensíveis linguagens. Quando as companhias estrangeiras instalaram os bondes no Rio de Janeiro, então centro governamental do país, lançaram no mercado títulos de suas empresas. Em inglês esses títulos eram conhecidos pela palavra “bond”. Daí o ferrocarril brasileiro foi batizado como “bonde”.
Mas nem sempre. No Rio, o bonde que passava pelo mercado central, puxava um vagão sem bancos usado por aqueles que iam às compras. Podiam até mesmo comprar frangos que eram vendidos ainda vivos.Estes usuários pagavam menos do que os outros passageiros que eram transportados sentados no vagão principal.
O pequeno vagão tinha um nome especial. Não era “bonde”. Era o “taioba”. Segundo o dicionário de Antônio Geraldo da Cunha, “taioba” indica uma planta da família das aráceas, cujas folhas picadas e cozidas, são comestíveis e se assemelham à couve. A palavra vem do tupi eindica “folha”. Naquela época dizia-se que a “taioba era a carne verde”. Os bondes desapareceram e, com eles as taiobas que sumiram das refeições juntamente com sua irmã conhecida como “cambuquira”.
Naqueles tempos, sem TV e com poucos rádios, as frutas e as verduras eram vendidas pelos “verdureiros”. Alguns deles, em voz alta, anunciavamseus produtos pelas ruas, cantando as palavras acompanhadas pelo som do Hino Nacional: “banana nanica, banana nanica, banana nanica,limão cravo, limão doce e tangerina”. Possivelmente não sabiam que “tangerina” tratava-se de uma fruta originária da África, batizada com o nome emprestado da cidade de Tanger.
Temos fartos exemplos no passado mais remoto. Os romanos dividiram o ano em dez meses. Portanto, o último mês recebeu o nome de “dezembro”, o nono foi chamado de “novembro” e o oitavo de “outubro”. Tudo a ver, como se diz hoje. Alguém quis homenagear dois grandes políticos, Júlio Cesar e Augusto, introduzindo mais dois meses que passaram a ser conhecidos em português por “julho” e “agosto”. Pronto! Desajustaram o elenco. O dezembro, décimo mês originariamente, passou a ser o décimo segundo. Novembro, o nono, ocupou o décimo primeiro lugar e outubro, o oitavo encaixou-se no décimo lugar. Mas Cesar e Augusto foram imortalizados.
Voltando para nossos tempos, os primeiros automóveis, antes de rodar, exigiam que seus motores fossem aquecidos. Como se sabe, “quente” em francês é “chaud”. Dessa forma a pessoa que aquecia o motor antes da partida passou a ser o “chauffer”. Durante muito tempo,um pouco até hoje, o motorista passou a ser conhecido, entre nós, como “chofer”, mesmo quando então não mais aquecia o motor para o veículo sair andando.Automóvel anda?
As palavras são depósitos de elementos históricos. Com certeza, sim. Seguramente a língua de um povo reflete decisivamente o grau da soberania de sua Nação. Okey.
* Advogado, professor e procurador de Justiça aposentado