O dia amanhecera frio. Frio e silencioso. Parecia que a natureza friorenta se havia recolhido num mutismo ensurdecedor. Só o latido distante de um cachorro, o chilrear de umas poucas maritacas. E o barulho silencioso do tênis do caminhante, sobre as pedras soltas que pavimentavam a alameda. Nada dos sonolentos fogo-apagou, com sua canção repetitiva e tristonha. Nada do alarido dos sabiás e dos bem-te-vis, em busca da comida matinal. Nem o vento parecia disposto a enfrentar a temperatura.
Não fora fácil sair para a caminhada, pois o tempo pedia permanecer em casa, de preferência na cama. Mas, lembrou-se de que nunca haveria uma disposição entusiasmada para o exercício, pois somos feitos para acumular e não gastar energia e que era preciso manter a rotina de exercícios. Agasalhou-se, tomou um copo de leite quente e saiu para o frio. Já fazia alguns dias que a temperatura havia baixado, o que era raro na cidade onde morava, sempre banhada pelo sol e pelo calor.
Lembrou-se de invernos passados em países do Hemisfério Norte, onde um frio cortante permanecia o tempo todo, o dia começava tarde e o sol se punha cedo, numa longa noite escura, o que o fez se conscientizar de que não estava tão frio assim.
Perdido em suas divagações, vencia a distância pré-definida, quando, de repente, um pitbull surge a poucos metros. O cão encarou o caminhante, rosnou e partiu para atacá-lo. Teve somente tempo de subir em uma árvore da calçada. O pitbull, felizmente, não conseguiu escalar o tronco e permaneceu, dentes arreganhados, ameaçando-o.
Sentia-se seguro em seu reduto. Lembrou-se de outras oportunidades em que foi ameaçado por cães, animais temidos por ele. Na lateral da Igreja Matriz da cidade, onde um enorme cão policial encurralou-o contra a parede, latindo desesperadamente, até que o seu dono, alertado pelo barulho, apareceu e dominou o animal. Felizmente, não fora mordido. No mesmo condomínio de agora, quando um simpático buldogue, avançou sobre ele e rasgou a calça e a blusa do abrigo de corrida. Aterrorizado, custou a perceber que o cachorro queria era brincar, mas, pelo seu porte, fizera o estrago.
Achou que o pitbull se cansaria e desistiria da agressão, mas, o cão continuava inamistoso, na base da árvore. Passou-se um tempo razoável, a sua posição, montado nos galhos, começou a incomodar. Chegou a quebrar um ramo e com ele tentou afugentar o animal, mas a iniciativa só aumentou a gana do cachorro. Decidiu gritar por socorro, na esperança de que o proprietário aparecesse, mas ninguém o acudiu.
Já estava desesperançado, quando uma menininha de cabelos louros compridos, ar angelical, abriu o portão de uma das casas. Gritou para que ela voltasse para dentro, pois o cão certamente a atacaria. Ficou desesperado, quando ela, devagar, encaminhou-se para a fera, que continuava ao pé da árvore.
Com palavras carinhosas, a pequena criança enlaçou o pescoço do pitbull e o conduziu de volta para a casa. Olhou para o caminhante aninhado na árvore e lhe disse: “Ele é bonzinho, não faz nada. É muito obediente, você não viu?” E continuou o curto caminhar, até desaparecer atrás do portão.
Restou ao caminhante a visão angelical de sua salvadora, que sobrepujou o medo e a insegurança que até então tivera.