A Câmara Ribeirão Preto protocolou, junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP), embargos de declaração para tirar dúvidas sobre o acórdão que suspende os supersalários do Legislativo por meio de gratificações e pagamento de benefícios inconstitucionais aos vencimentos de servidores da Casa de Leis, as chamadas “incorporações reversas”.
Embargo de declaração é um instrumento jurídico pelo qual uma das partes de um processo judicial pede ao juiz ou tribunal que esclareça determinado aspecto de uma decisão quando há alguma dúvida. A Câmara quer saber, por exemplo, como deverá ser feita a modulação. Ou seja, quando começa a valer, se é retroativa e quais servidores serão atingidos. O pedido de informações foi feito em 13 de setembro.
A decisão que considerou os pagamentos inconstitucionais foi publicada em 25 de agosto após os desembargadores acolherem os argumentos da Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ) – Ministério Público (MPSP). A ação foi impetrada em 19 de janeiro pelo procurador-geral de Justiça, Mário Luiz Sarrubbo.
Ele acatou representação oferecida pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de Ribeirão Preto. O Judiciário declarou a inconstitucionalidade de três leis municipais que permitiam a incorporação de várias gratificações a servidores da Câmara, sendo que muitas delas beneficiavam ocupantes de cargos em comissão (não concursados).
A decisão impede a acumulação das incorporações e barra o recebimento de gratificação por dedicação em Regime de Tempo Integral (RTI) aos funcionários públicos comissionados. Na ação, o MPSP aponta irregularidades nas legislações que permitiram aos servidores incorporar gratificações indevidas.
Em 17 de novembro de 2017, o Tribuna publicou, com exclusividade, reportagem do já falecido jornalista Nicola Tornatori denunciando possíveis irregularidades nos valores pagos aos funcionários. Desde então, o jornal publicou uma série de reportagens sobre o assunto. O Ministério Público instaurou inquérito civil para investigar os chamados supersalários da Câmara de Vereadores.
A matéria jornalística do Tribuna também revelou existência de várias distorções remuneratórias no âmbito da prefeitura de Ribeirão Preto. Segundo o Gaeco, a legislação municipal permitia até três diferentes espécies de incorporações no salário de servidores, além do RTI.
De acordo com os promotores de Justiça, tais incorporações violavam os limites constitucionais, possibilitando o pagamento de supersalários, bem acima do teto permitido. A ação da PGJ aponta violação ao artigo 111 da Constituição do Estado (princípios da moralidade e da razoabilidade), bem como o não atendimento ao interesse público e às exigências do serviço, em descompasso com o artigo 128 da Carta Magna Paulista.
A decisão que proíbe o pagamento das gratificações tem efeito imediato. Em junho de 2018, o promotor Wanderley Trindade, emitiu parecer para a 1ª Vara da Fazenda Pública de Ribeirão Preto sobre uma ação popular que questionava o pagamento.
No parecer, o representante do MPSP pedia a suspensão dos pagamentos aos servidores beneficiados e a inclusão do Ministério Público como parte do processo. A ação popular foi proposta pelo professor Sandro Cunha dos Santos, por meio da advogada Taís Roxo da Fonseca.
A ação da dupla foi extinta pelo TJ/SP, que apontou um erro formal dos autores, o que teria impedido o julgamento do mérito do processo. Depois, o caso foi encaminhado à Procuradoria-Geral de Justiça pelo Gaeco, sendo que a sentença saiu em agosto.
Entenda o caso dos supersalários
A chamada “incorporação reversa” elevou os salários de um grupo de 35 funcionários da Câmara a patamares muito acima da média. Quando instaurou o inquérito civil, o promotor Wanderley Trindade chamou de “ilegal”, “inconstitucional” e de “manobra” a incorporação incluída no artigo 50, parágrafo 7º da lei nº 2.515/2012. A emenda foi aprovada junto ao projeto de reajuste salarial dos servidores em 2012, sem alarde e publicidade.
A aprovação permitiu a funcionários públicos antes comissionados em gabinetes de vereadores um privilégio. Ao serem aprovados em concursos públicos para cargos de nível fundamental e salário de cerca de R$ 1,6 mil, puderam engordar o holerite com os valores que recebiam quando eram assessores.
Na Câmara de Ribeirão Preto, servidores aprovados em processos seletivos com remuneração inferior a R$ 2 mil já começavam a trabalhar com vencimentos acima de R$ 20 mil. Hoje isso já não é mais possível. Porém, a revogação da emenda não retroagiu, e quem foi beneficiado continua a receber altos valores. O Tribunal de Justiça de São Paulo também barrou as incorporações previstas nas leis números 5.081/1987 e 3.181/1976.