A advogada Taís Roxo da Fonseca e o professor Sandro Cunha dos Santos protocolizaram na tarde de sexta-feira, 13 de abril, no Fórum Estadual de Justiça de Ribeirão Preto, uma ação popular contra a brecha aberta na Câmara e na prefeitura de Ribeirão Preto que gerou os “supersalários”. Ligados ao Partido Socialismo e Liberdade (Psol), eles entendem que o caso se trata de uma “aberração jurídica”.
Servidores aprovados em concursos com baixos vencimentos puderam incorporar o que ganhavam quando ocupavam cargos em comissão, nos gabinetes de vereadores, e tiveram os salários turbinados. A ação, com pedido de liminar de suspensão de ato lesivo, está em nome do professor Sandro Cunha dos Santos, representado por Taís Roxo da Fonseca. Eles pedem o fim imediato da chamada “incorporação inversa”.
A discrepância existente na Câmara e na prefeitura começou em 2012, quando o Legislativo era presidido pelo ex-vereador Cícero Gomes da Silva (MDB). Em maio daquele ano, projeto de lei do Executivo fazia algumas mudanças no Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS), e uma emenda foi incluída sem alarde – vários políticos presentes naquela sessão garantem que nem ficaram sabendo. A proposta criou o que a advogada Tais Roxo da Fonseca chama de “aberração jurídica” – a lei complementar nº 2.515, de 2 de abril de 2012.
Em qualquer repartição pública, é praxe que um servidor efetivo, quando ocupa um cargo de chefia, ao retornar ao posto de origem, continue com o direito de incorporar ao salário parte do que recebia quando estava á frente de um setor ou departamento. A Câmara inverteu essa lógica e acrescentou o termo “tenha exercido” ou “venha a exercer” para cargos em comissão.
Assim, dezenas de comissionados do Legislativo participaram de concursos públicos que tinham em comum a oferta de uma única vaga, exigência de baixa escolaridade e salários de menos de R$ 2 mil para atrair o menor número de interessados. Depois de aprovados, puderam incorporar á baixa remuneração os valores que ganhavam anteriormente.
Um exemplo é o concurso realizado em 2013 para preencher uma vaga de “auxiliar de operações/porteiro”, com salário de pouco mais de R$ 1,3 mil e as atribuições de atuar na portaria, recepção, triagem, lavagem e lubrificação de veículos. Dezenas de comissionados em gabinetes de vereadores participaram do concurso. Nos anos seguintes, a Mesa Diretora da Câmara criou novas vagas e foi nomeando os ex-apadrinhados de políticos para vagas de porteiros – a Câmara acabou por convocar 19 candidatos.
Há casos de uma advogada aprovada em 19º lugar em concurso com nível de escolaridade de ensino fundamental que hoje recebe salário de mais de R$ 21 mil. Um servidor publico estadual de nível universitário, aposentado, aprovado em 14º lugar em concurso para auxiliar legislativo, com salário de R$ 1,6 mil, recebe hoje mais de R$ 26 mil.
A facilidade em ser nomeado e ter salários elevados atraiu parentes dos apadrinhados, e a Câmara se tornou uma “grande família” – uma mulher comemorou a efetivação de três irmãs e do marido, o ex-coordenador legislativo e procurador jurídico comemorou a nomeação de dois filhos, um ex-presidente conseguiu efetivar dois filhos adotivos e um genro, um operador de TV comemorou a nomeação de dois filhos e por aí vai.
Todos, sem exceção, foram apadrinhados de algum vereador, ocuparam cargos em comissão, passaram em concursos para cargos com salários de menos de R$ 2 mil e hoje ganham mais de R$ 15 mil. “Isso não existe em nenhum município brasileiro. Fizemos uma extensa pesquisa e encontramos situação semelhante em dezenas de cidades, a maioria de Minas Gerais e de Santa Catarina”, conta Tais Roxo da Fonseca.
“Em todos, essas leis absurdas foram revogadas, e quando ocorreu e revogação, cessaram todos os efeitos. Ou seja, a incorporação deixou de existir. Ribeirão Preto é a única cidade brasileira onde a aberração prossegue’, completa. Ela destaca que a “incorporação inversa”, que continua turbinando os salários de dezenas de servidores, “fere de morte” a Constituição Federal.
“Fere os princípios da moralidade e da impessoabilidade na medida em que diferencia as pessoas, concede tratamento desigual a quem exerce uma mesma função. Por que uma telefonista que foi apadrinhada no passado ganha R$ 8 mil para exercer a mesma função, para trabalhar a mesma carga horária de colegas que ganham um terço desse valor?”, pergunta a advogada.
Ela destaca que não existe a figura do direito adquirido quando se trata de uma lei inconstitucional. A ação popular impetrada em nome do professor Sandro Cunha pede o fim dos efeitos nocivos da “incorporação inversa” ao patrimônio público, com pedido de liminar, e seu acolhimento pode reduzir os salários de servidores do Legislativo, do Executivo e aposentados. E existe a possibilidade, em caso de sucesso, do ingresso com uma ação regressiva, pedindo a devolução aos cofres públicos do dinheiro recebido de forma irregular.Em outras reportagens, a Câmara informou que esses servidores têm direitos adquiridos.
A Câmara tem, por lei, o direito ao repasse de 4,5% das receitas tributárias e de algumas transferências, para utilização com manutenção e despesas de pessoal. O recurso é calculado tendo como base a receita do ano anterior e repassado mensalmente em duodécimos ao Legislativo. Para 2018, a previsão de repasse é de R$ 69,5 milhões – aporte de R$ 3,9 milhões em relação aos R$ 65,6 milhões de 2017, crescimento de 4,9%.