Em uma das maiores derrotas da história da Lava Jato, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta terça-feira, 23 de março, reconhecer a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro na condução do processo envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Operação Lava Jato.
Com a medida, a condenação do ex-presidente no caso do triplex do Guarujá será anulada. No dia 8 de março, uma decisão individual do ministro Edson Fachin também anulou a condenação, mas não havia reconhecido a suspeição de Moro.
O magistrado considerou que 13ª Vara Federal da Seção Judiciária do Paraná deve ser mantida para processar quatro ações penais contra o ex-presidente – triplex do Guarujá (SP), sítio de Atibaia (SP), sede do Instituto Lula e “doações ao Instituto Lula”.
O placar pela imparcialidade do ex-juiz foi obtido por três votos a dois. Na primeira sessão para julgamento do caso, os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski votaram a favor da suspeição. O relator, Edson Fachin, votou contra o reconhecimento.
Na sessão desta terça-feira, o ministro Nunes Marques votou contra o recurso da defesa de Lula, por entender que o habeas corpus não pode ser utilizado para julgar a suspeição do ex-magistrado. Além disso, o ministro entendeu que a suspeição de Moro não pode ser justificada com base em mensagens interceptadas de forma clandestina.
“São absolutamente inaceitáveis tais provas. Entender de forma diversa seria uma forma transversa de legalizar a atividade hacker no Brasil”, afirma. Em seguida, a ministra Cármen Lúcia proferiu o terceiro voto a favor do reconhecimento da suspeição e entendeu que Moro atuou de forma parcial no caso.
No entanto, a ministra disse que o entendimento não pode ser aplicado a outros casos. Segundo Cármen Lúcia, “houve espetacularidade do caso” e quebra da imparcialidade no julgamento. No habeas corpus, os advogados sustentaram que Moro não poderia ter proferidos as sentenças nos casos do triplex do Guarujá por ter sido parcial no julgamento.
Os advogados citaram fatos ocorridos durante as investigações, como a condução coercitiva do ex-presidente, autorização de escutas no escritório dos advogados, suposta atuação para impedir a soltura, entre outras. Os profissionais também citaram as mensagens entre procuradores da Lava Jato, que foram alvo de interceptação ilegal por hackers.
A partir da decisão, as defesas de outros investigados também podem alegar a suspeição do ex-magistrado e as condenações de outros réus poderão ser anuladas. No quartel-general esvaziado da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba (PR), o clima é de terra arrasada.
O efeito da decisão que anulou os processos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas 179 ações penais abertas em sete anos de operação ainda é calculado. Além de o ministro do Supremo Tribunal Edson Fachin – relator da Lava Jato na Corte – ter anulado as condenações do petista e retirado as ações da 13ª Vara Federal de Curitiba (PR), agora tem a decisão da Segunda Turma sobre a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro.
O revés sem precedentes é considerado por integrantes e ex-integrantes da força-tarefa o ápice de uma escalada de derrotas sofridas nos últimos três anos, no Congresso, no Judiciário e no Executivo. Uma “contraofensiva” chegou a ser promovida a partir de 2018, com a prisão de Lula e os inquéritos da megadelação da Odebrecht.
Porém, episódios como a ida de Moro para o governo Jair Bolsonaro e a divulgação de mensagens atribuídas ao então juiz e a procuradores que mostram a troca indevida de informações desgastaram a imagem da operação, segundo o procurador da República Deltan Dallagnol, a “desconstrução” da Lava Jato, para ele, se sustentou em três frentes.
“Há uma reação contra a Lava Jato com uma série de mudanças já feitas ou sendo articuladas que desmontam o modelo de combate à corrupção que permitiu o sucesso da operação”, afirma o ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.
A desestruturação dos órgãos de investigação, como, por exemplo, o enfraquecimento do Coaf; a “construção de nulidade” dos processos judiciais, como a decisão de que crimes como corrupção devem ser julgados na Justiça Eleitoral se estiverem relacionados a caixa 2; e a busca de meios para intimidar e desestimular investigadores, com destaque para mudanças na Lei de Abuso de Autoridade.