Edwaldo Arantes *
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Domingo, silêncio, ruídos distantes, o tempo para passar, simplesmente sem tecer nenhuma tarefa, tão costumeira nas semanas de labor, compromissos, atribuições, incumbências e obrigações, sob pressão e pressa.
Passei assistindo o correr dos momentos em horas indolentes, vagarosas e preguiçosas, cultuando o que mais gosto, sonhar acordado, como crianças imaginando castelos, fadas, duendes, mocinhos, bandidos e super heróis.
Uma casinha em um colo de serra, uma varanda, pomar com jabuticabeiras, limoeiros, jaqueiras, jambos e limas-da– pérsia.
Uma horta cultivada com rúcula, alface, tomate, agrião, couve, ora-pro-nóbis, boldo e alcachofra. Um canteiro para o cultivo dos temperos: salsa, cebolinha, manjericão, alecrim, orégano, tomilho, malagueta, dedo-de-moça, reino, biquinho, síria e pimenta-vermelha.
Outro canteiro para o plantio das flores: Margaridas, violetas, dálias, girassóis, petúnias, rosas, cravos e orquídeas.
Em um canto um cachorro sonolento espreguiça-se, aproveitando o sol, aquecendo-se em contraponto ao frio da manhã.
Ao longe o canto do riacho, com suas águas límpidas e cristalinas, depositar os pés nos dias quentes, buscando o frescor e o relaxamento.
Um caniço de bambu nas mãos, buscando os lambaris para uma fritada ao entardecer, acompanhada de uma Cachaça de Salinas e uma caneca de alumínio com cerveja gelada.
Meus devaneios transportam-me ao silêncio de um lugarejo aconchegante e bucólico, perdido na vastidão das Minas Gerais.
Com carinho e parcimônia, acendo a madeira cheirosa, retirada do frondoso eucalipto, meus olhos refletem as chamas vermelhas e crepitantes, tal qual um bruxo, um alquimista ou um químico, revolvo as ervas, adiciono condimentos, iniciando o cozimento, os manjares ricos e saudáveis, onde saltam cheiros inebriantes, com a fumaça dançando, subindo, brotando na chaminé.
Vago pela casa antiga, simples, charmosa e receptiva, uma copa pequena com uma cristaleira portuguesa com louças em porcelana, uma mesa antiga esculpida do Carvalho secular, quatro cadeiras, talheres em prata e uma toalha xadrez, com as cores da bandeira italiana.
Na divisa da parede em local reservado, um oratório dedicado à reflexão, crença e devoção, culto das imagens sacras eternizadas e entregues à dedicação.
Caminhamos até a sala, onde duas almofadas vão receber dois corpos, um sofá em couro preto, quadros e fotos dos antepassados, um couro de anta estendido, um Cuco marcando as horas, uma antiga vitrola com o vinil, músicas entoadas pelo “Cantor das Multidões”, Orlando Silva e o “Chico Viola”, Vicente Celestino.
Coladinhos em união, folheando o livro desejado e escolhido, ler a dois, saboreando a iluminada literatura.
Depois de ávidas páginas, duas taças em cristal, degustando o vinho tinto, um queijo Canastra, salame italiano, azeitonas, pães, sussurros e risadas contidas.
Beijos trocados sentindo o paladar do néctar de “Baco”, lábios ardentes e sedentos entre múltiplos toques, tecendo curvas no céu da boca estrelada. “In Vino Veritas”, no vinho está a verdade.
Levantamos em passos convidativos rumo ao quarto, o doce aroma dos lençóis, fronhas e travesseiros, alvos como a neve, tudo na mais perfeita ordem.
As mãos juntas, buscando o leito de segredos e intimidades divinos para o amor, beijos iniciais, aumentando sua volúpia, carinhos intermináveis até a satisfação total, corpos ofegantes unidos, comprovando um amor infinito, ungido pelos Deuses, esperando a glória e a imortalidade.
No silêncio de dois seres que não mais precisam de palavras, substituídas pelos olhos verdes e os sorrisos tímidos, em total sintonia e cumplicidade.
O crepúsculo chegando, lento, calmo, silente e sossegado, com as mãos dadas, observando o amarelo do céu, tingindo de vermelho o firmamento, ao longe, um Sabiá Laranjeira entoa harmoniosa melodia, despedindo-se do dia, preparando-se para adormecer em um galho do Jacarandá, aguardando o alvorecer.
Juntos, com a certeza que a vida é constituída de simplicidade, com pequenos confortos, necessários aos dias e noites.
Cultivar até o fim a união, harmonia e entrega, cumprindo o pacto firmado com a natureza, a relação, a solidariedade e o amor.
* Agente cultural