No próximo ano celebraremos o centenário de nascimento de Otto de Oliveira Lara Resende, grande jornalista e escritor que ganhou fama pelo seu poder de síntese na criação de frases imortais. Na peça “Bonitinha, mas Ordinária” de Nelson Rodrigues, que depois virou filme, uma frase é atribuída a Otto “o mineiro só é solidário no câncer”. Na obra ficcional, os mineiros representam todos os brasileiros, que experimentam as agruras, tentações, ilusões e jogos de poder e dinheiro. O texto proporciona material para grandes debates morais, éticos e ideológicos.
A solidariedade é um sentimento de identificação em relação ao sofrimento dos outros e em 2005 a ONU instituiu 20 de dezembro como o Dia Internacional da Solidariedade Humana, para destacar a importância da ação coletiva na superação dos problemas globais, construindo um mundo melhor e mais seguro para todos. Aliás, o 10º objetivo de desenvolvimento sustentável é justamente a “redução das desigualdades”.
A solidariedade é um dos valores mais importantes da sociedade moderna na busca de um desenvolvimento positivo, mas não é novidade. Muito presente no Antigo Testamento, foi confirmada por Jesus que a praticou e difundiu. Entre seus ensinamentos está “Dá a quem te pedir, e não te desvies daquele que quiser que lhe emprestes.” (Mateus 5:42); “E, respondendo ele, disse-lhes: Quem tiver duas túnicas, reparta com o que não tem, e quem tiver alimentos, faça da mesma maneira.” (Lucas 3:11); “Vendei o que tendes, e dai esmolas. Fazei para vós bolsas que não se envelheçam; tesouro nos céus que nunca acabe, aonde não chega ladrão e a traça não rói.” (Lucas 12:33);“Levai as cargas uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo.” (Gálatas 6:2). Mas se somos o maior país cristão e se em todo o planeta existem mais de 2,18 bilhões de adeptos ao cristianismo, como justificar a pequena quantidade de gestos solidários?
Presente na gentileza, na educação, na cordialidade, a solidariedade ganha maior importância nas situações desafiadoras como no enfrentamento da atual pandemia, nas crises humanitárias ou nas tragédias climáticas. Atualmente existe até a mobilização virtual e a rede de solidariedade através de mensagens ou engajamento nas redes sociais, mas por qual razão ajudamos tão pouco se existe tanto que pode ser feito? Por que muitos assistem passivos seus semelhantes buscando uma oportunidade de emprego, moradia digna, morrendo de fome, frio ou comendo restos em lixeiras? Mudar esse quadro não seria razão suficiente para mobilizar e engajar as pessoas?
A notícia positiva é que nosso país subiu 14 posições no Ranking Global de Solidariedade em 2020, segundo a pesquisa World Giving Index 2021 (WGI), feita pela Charities Aid Foundation (CAF). Naquele ano o Brasil ficou em 54º lugar numa lista de 114 nações. Já a preocupante é que cresce o movimento do cada um por sí, materializado no comportamento egoísta e nos problemas de relacionamento, no seio familiar, nos círculos de amigos e nos ambientes de trabalho.
A sociedade organizada em associações, clubes de serviços e organizações não governamentais, desenvolve importante papel, mas devemos ter a consciência de que suas belas e valorosas ações sempre serão insuficientes se desacompanhadas de mudanças estruturantes e políticas públicas efetivas para promoção da justiça e combate a miséria, desemprego e desigualdade.
O Advento é momento propício para praticar a solidariedade escolhendo de qual lado ficar, dos que promovem a igualdade, a paz e a vida ou dos que defendem a exclusão, a miséria e a morte. Voltando ao Livro Sagrado:“O que oprime o pobre insulta àquele que o criou, mas o que se compadece do necessitado o honra.” (Provérbios 14:31).