Esse negócio de ficar recluso pra não dar refresco ao coronavírus me deixa meio que entediado, aí bate o maior saudosismo, eu dano a pensar e decido revisitar a gaveta de minha memória. Numa dessas, fui fundo e lembrei-me de uma estada de Toquinho por aqui, onde nós misturávamos futebol, churrasco, chope, roda de samba e uma resenha sem fim. Isso antes ou depois do show do parceiro do poeta Vinicius de Morais no Theatro Pedro II.
Numa dessas, Sócrates convocou para o “fute-churras” os filhos, irmãos e amigos e lá fomos nós para a disputadíssima partida contra Toquinho, seus músicos e agregados na chácara do Zé Strambi, que fica depois de Bonfim Paulista. O show seria no dia seguinte. Toquinho reforçou seu time com o sambista carioca Carlinhos Vergueiro, outro louco por futebol, veio a Ribeirão Preto só pra disputar essa pelada.
Depois do jogo, no qual o time visitante foi goleado, foi a hora da resenha. Pra mim, que gosto de causos, foi a melhor parte da festa. Fiquei ligado nas histórias contadas por eles, isso depois de discutirem jogadas duvidosas da partida.
Toquinho contou que, certa vez, decidiu tirar umas férias, pois andava exausto de tantos shows, viagens e tudo mais. A esposa dele sugeriu que fossem para uma praia deserta e longe da civilização, não importava o lugar. Depois completou: “Pergunte ao ‘Vini’ se ele sabe de alguma”. Era assim que Vinicius de Moraes era tratado na intimidade.
Depois de consultado, o parceiro Vinicius disse: “Toco (era assim que ele também se referia a Toquinho), tem uma praia na Bahia que acho que bate com o que vocês querem”. Toquinho e esposa passaram a régua e na hora da partida ela ainda disse: “O violão não vai (já passei por isso)”. Ele levou um tranco, mas se rendeu à sua primeira-dama, afinal, férias são férias.
A praia, segundo ele, era como sonhavam. No primeiro dia sem tocar violão, ele passou bem, mar azul maravilhoso, caipirinhas estonteantes, brincadeiras com seu filho, tudo beleza… O segundo dia passou e tudo beleza. Mas, no terceiro dia, a vontade de dedilhar seu pinho, companheiro de tantas histórias, passou a incomodá-lo.
Então, confessou para a patroa sobre a falta que seu violão estava fazendo, pois a beleza do lugar o convidava a compor, mas faltava o violão pra harmonizar novas canções que povoavam sua cabeça. Ela sacou a tristeza do marido e disse: “Pergunte aos pescadores, quem sabe algum deles tem (violão)”. Toquinho foi voando fazer a pesquisa. E não é que um deles tinha o violão?
A casa do violeiro caiçara ficava a uns cinco quilômetros, o que pra Toquinho foi fichinha.
Agora, a negociação. Toquinho disse ao pescador que queria alugar seu violão por 15 dias, era o tempo que ficaria naquela casa, e apontou pra sua morada. O cara, meio que desconfiado, parecia não entender, daí Toquinho arrematou: “Olha, vou lhe pagar adiantado, o dinheiro vai dar pra você comprar vários violões e na minha partida, vou devolvê-lo”.
Pra convencer o homem do mar, foi logo mostrando a grana. Isso foi o bastante conquistar a confiança do cara, que sorriu de orelha a orelha, batendo o martelo. Toquinho saiu pela praia todo feliz com o violão na mão, e ainda ouviu o pescador gritar da varanda: “Ei, amigo, dentro do bojo tem várias cordas de reserva pois a maresia aqui é brava e enferruja as tarraxas e cordas”.
Ouvindo esta história do Toquinho, eu me perguntava: “Será que o pescador ficou sabendo quem era o locatário de seu violão?” Final de férias, Toquinho cumpriu o prometido e chegando em casa disse à sua primeira-dama “Não viajo mais sem meu violão”… Na hora, pensei: “Nem eu”.
Sexta conto mais.