Certa vez, o jornalista Juca Kfouri me ligou de Sampa porque estava tentando e não conseguia falar com Sócrates. Ele me pediu pra localizar o Magrão, eu disse pra ele segurar a onda que sairia na captura do Doutor. Achei a fera e os dois conversaram bastante, era começo de semana.
Na semana seguinte, plena segundona, tipo quatro da tarde, Magrão me liga. “Buenão, pegue seu violão e venha aqui pro Pinguim original”, onde hoje tem uma loja de calçados. Disse a ele que estava enrolado e que iria mais tarde. Sócrates: “Buenão, acho melhor vir logo, você não sabe o que está perdendo. Ouça aí”.
Colocou seu celular para captar o som de um saxofone bem tocado. A música era “Papel Machê”. Depois me perguntou: “E aí, parceiro, vai resistir ao meu convite?” Bem, deixei tudo que estava fazendo e em minutos me aboletei na mesa com meu pinho.
Quem tocava o sax era o saudoso “Bilo”, grande mestre do sopro. Dei uma geral e na nossa mesa estava ali um jovem de terno preto com uma pasta do lado e uma belíssima moça com menos de 30, vestindo um blazer verde claro de fino corte.
Magrão, descuidado, não os apresentou e pediu-me que cantasse nossas composições, com Bilo e seu sax fazendo contracantos e improvisos, era fera nessa parte. Cantei sem saber pra quem cantava e o casal ouvia tudo atentamente. O tempo passou e Magrão se levantou, dizendo: “Com licença, vou até o poste ‘sanitário’.”
Todo mundo riu. Assim que ele saiu, a moça abriu uma pasta cheia de revistas esportivas, disse ser de amigos e parentes. Quando souberam que ela estaria com o Doutor, pediram pra ela tentar obter autógrafos. O jovem de terno também estava com várias revistas de amigos. Receosos, me perguntaram: “Será que ele autografa pra gente?” “Claro”, respondi.
Sócrates é a pessoa mais humilde que conheço e perguntei quem eram eles. A moça disse ser de São Paulo e advogada do Juca Kfouri, que estava sendo processado pelo presidente da CBF por ter denunciado contrabando na volta da seleção da Copa de 1994.
Nesse momento matei a ligação do Juca para Sócrates, que entrou como testemunha do amigo. O rapaz de terno era do Rio de Janeiro, advogado da CBF. Levei um tranco e mandei essa: “Pô!!! Então Sócrates tá tomando chope com o inimigo!?!?!?” Ele riu e justificou.
“Cara!!! Você não imagina a minha felicidade por estar vivendo este momento, se meu patrão souber, tô lascado, mas não tô nem ai, este prazer ninguém me tira. Milhares de fãs do Sócrates pelo mundo dariam tudo para estar no meu lugar. Pra minha surpresa, quando acabou a audiência, ele nos convidou pra um chope na choperia mais famosa do mundo. Como não aceitar? E ainda nos deu carona, aqui estamos, amigo”.
Sócrates voltou, autografou as revistas, continuei a cantoria, a noite avançava, estava na hora do voo deles, o jovem advogado fez questão de pagar a conta e pediu pro Magrão dar um autógrafo na nota fiscal. Guardaria como um troféu e também para provar aos amigos que não estava contando papo.
A moça pensou bem e falou: “Quer saber? Eu não vou embora não. No ato ligou pro aeroporto, transferiu o voo pra manhã seguinte, depois ligou pro marido dizendo: ‘Amor, vou amanhã cedo, sabe porquê? Estou no Pinguim, tomando chope com meu ídolo, estou a 100 metros do hotel, tem um cantor com um violão e um saxofonista show de bola na nossa mesa…Você acha que vou perder essa oportunidade?’”
O marido, morrendo de inveja, concordou, mandou um abraço pro Doutor e disse: “Nem eu perderia essa”. Revelou ser palmeirense, mas fã do Sócrates. Lá pelas tantas, a moça, pra lá de alegre, se despediu, indo pro seu hotel. Sócrates ficou atendendo outros turistas, depois pediu a conta que veio acompanhada de uma das incontáveis saideiras.
Sexta conto mais.