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Sócrates perguntou: ‘Qual é a cor do ser humano?’

Sócrates, em certa noite no Empório Brasília, fez um amigo perder o prumo. Era um cara tipo daqueles que só os notívagos conhecem, gente que engata longos papos madrugadão adentro… Na noite ficamos amigos íntimos de quem acabamos de conhecer. Com esse cara foi assim. A pergunta título que o Magrão fez só aconteceu porque o cara estava numa mesa ao lado e puxou conversa.

Revelou ao Doutor um pedido de Tico: quando cruzasse com Sócrates que lhe desse um abraço. E continuou: “Ele disse ter jogado com você, Magrão, na época de amador”. Como o Doutor não se lembrava do nome citado, o cara insistiu em reavivar a memória de Sócrates dando dicas sobre o Tico, e nada. Daí o cara falou: “Sócrates, agora você vai lembrar, Tico é um cara de cor”.

O Magrão detestava esse negócio de se comparar a cor da pele. E respondeu com uma pergunta: “Cor? De que cor? Ele é um ser humano e ser humano não tem cor, o ser humano tem pele e pele não tem cor”. O cara ficou meio que perdidão e eu logo vi que, naquela noite, Sócrates estava a fim de polemizar. A conversa continuou e o cara disse: “Mas Sócrates, eu não queria dizer que era um negão forte, por isso usei um termo costumeiro”. Papo vai, papo vem, por fim bateram o martelo e passaram a régua na situação.

Outra história. Contaram a Sócrates que um ex-companheiro dele no Corinthians, dono de fazenda no Estado de Mato Grosso, se recusou a dar a mão para um fã no saguão do aeroporto de Campo Grande. O cara esticou o braço com a mão aberta e o ex-jogador não correspondeu. Sócrates ficou uma fera quando soube do acontecido. Pior ainda, disseram que o fã era negro. Magrão comentou: “Tinha que ser este ser desprezível mesmo, coisas assim só poderia vir dele.”

Dia destes assisti um documentário na Globonews que abordou situações semelhantes. Tudo começa na Fazenda Albertina, no município de Campina do Monte Alegre (SP). O proprietário atual, remexendo em antigas paredes, percebeu que os tijolos tinham uma estranha marca, a do nazismo, aquela letra “Z” cruzada uma dentro da outra. Achou estranho e começou a investigar. Descobriu que em sua fazenda, mais de 70 anos passados, muitas crianças negras sofreram muito.

Um pesquisador abraçou a parada e muitas histórias vieram à tona. O antigo proprietário, fã do nazismo, foi no Orfanato Romão Duarte, no Rio de Janeiro, e escolheu 50 meninos negros, com idade média de 10 anos, colocou-os numa “Maria-fumaça” e alojou os garotos na Fazenda Albertina, onde trabalhavam por comida, vigiados por cães ferozes, castigados por palmatórias. Quando a guerra acabou e o nazismo dançou, os proprietários amedrontados fugiram para outros países, e os meninos, já homens, voltaram a ser livres.

Dos 50, conseguiram localizar dois vivos e a família de um que, no meio de todos, fora escolhido para trabalhar nos afazeres da casa da fazenda. Era José Alves de Almeida, que morreu com 53 anos, deixou esposa e um casal de filhos. Outro foi localizado em Foz do Iguaçu (PR), aposentou-se como fuzileiro naval. Era músico e conhecido pelo apelido de “Marujo”. Casou-se e teve dois filhos.

Na cidade ficou Aloísio, que teve seis filhos, viveu como pôde. Conta que com a fuga dos patrões o gado ficou pastando até morrer, todos tinham a marca nazista queimada no couro e o povo tinha certo receio. A produção do documentário levou Aloísio até o orfanato no Rio de Janeiro, foi emocionante quando ele viu o nome de sua mãe num livro, deixando-o ali para adoção. O documentário chega ao fim mostrando Aloísio caminhando sobre os dormentes da linha de trem. E eu pensando na frase de Sócrates: “O ser humano não tem cor…”
Sexta conto mais.

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