Nos anos 90, tempo em que não havia ladrões como hoje, Laerte Alves, então presidente do Botafogo FC de Ribeirão Preto, tinha uma casa de praia em Ubatuba. Ficava numa pequena praia de nome Perequê Mirim. Pra quem vai pela Rodovia Rio-Santos sentido Caraguatatuba-Ubatuba, está situada antes de Ubatuba.
De frente pro mar, havia apenas doze casas, a tal de pé na areia. Uma delas pertencia à família Laerte Alves. Um caseiro cuidava muito bem de tudo, tinha uns 15 metros de frente e o resto nem sei, só sei que era enorme, muitos quartos e salas, mesa gigante para grandes almoços.
Era toda avarandada, onde era possível passar horas e horas numa prosa sem fim. Poucos metros a separavam da areia, a proteção era uma cerca baixinha de ripas, o portão também de madeira, era fechado com aquele manjado trinco… Cadeados? Nem pensar. Da varanda o visual era uma gigantesca tela pintada por Deus.
Laerte Alves era uma figura, saíamos muito juntos eu, Sócrates e ele, que adorava uma boemia, mas completava; “Buenão, as pessoas confundem boemia com putaria, a diferença é muito grande, saio todas as noites com vocês e você já observou que estou sempre com amigos que gosto e confio, nada de mulherada. Veja que meu telefone não para de tocar, estou resolvendo negócios em plena boemia, você quer coisa melhor?”
Concordei com ele, que quando se dava bem e fechava um bom negócio, muito feliz, dizia: “A conta é minha” (heheheh). O final do ano se aproximava e Laerte convidou a mim e a minha família pra passarmos uns 15 dias em sua casa em Ubatuba. Disse que Sócrates também iria com a esposa. Consultei a primeira-dama, que topou. Confirmei presença e Laerte Alves, muito feliz, comentou: “Buenão, você e Magrão não precisam pagar nada, são meus convidados, só quero que você leve o violão e o equipamento de som do Miudinho”. Era o apelido de meu filho Lucas. “Meus amigos do Perequê Mirim estão esperando, vamos agitar o pedaço”.
Foram dias maravilhosos. Numa linda manhã, Laerte disse: “Magrão, vamos pescar em alto-mar?” Sócrates falou: “Vamos, mas de quê?” E Laerte fechou: “No meu iate, parceiro”. E lá fomos nós. O dia estava lindo, mas no final de tarde deu aquela virada, chuva e frio, muita neblina… O marinheiro que pilotava sugeriu que voltássemos, a neblina quase não deixava ver nada.
Num relance, Laerte viu uma canoa, dessas comuns de alumínio, e comentou: “Poxa, que cara maluco, com esse tempo e ele de canoa em alto-mar?” De repente, Sócrates, naquele lusco fusco, viu a dita cuja e gritou: “Volta, marinheiro, o cara tá pedindo socorro”. Quando encostamos, o cara ajoelhou na canoa e agradeceu aos céus pelo salvamento. Acolhemos ele e sua filha de 13 anos, ela morrendo de frio, logo a agasalhamos, ele não parava de nos agradecer e quando viu o Sócrates, levou um susto e gritou: “Sócrates!?!? Não acredito!? Se eu chegar na Vila Maria e contar que fui salvo pelo Sócrates, ninguém vai acreditar”.
Cheio de bom humor, continuou. “Quero me apresentar: sou Lino Barioli, corintiano, dentista na Vila Maria e cantor da Orquestra do Zacaro. Quis o destino que o motor do meu barco pifasse e que as ondas nos levassem pro alto-mar pra ser salvo por vocês”.
Quando ele disse ser cantor, Laerte falou: “Você é cantor?! Você vai pagar o salvamento em casa essa noite”. O cantor disse não ter instrumento, e, no ato, Laerte falou: “Lá tem tudo, violão, teclado e equipamento de som de primeira”. O cara foi…
Miudinho havia preparado o teclado, microfones e tudo mais, Lino Barioli chegou com a esposa e um litro de uísque, deu aquela passada de mão nas teclas e cantou “Champanhe”. Depois, desfilou todo seu repertório italiano. Encheu de gente atrás da cerquinha pra ver o show. Já era madrugada e Lino Barioli não ia embora, nós morrendo de sono, até que ele se tocou e vazou.
Clareando o dia, na mesa do café, Laerte falou: “Depois dessa, não salvo mais ninguém” (heheheheh).
Sexta conto mais, abreijos amigos.